quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Juiz e o Complexo de Nicolas Marshall

Caros,
não tem como não compartilhar o artigo escrito pelo Alexandre Morais da Rosa e disponibilizado em seu BLOG em 27/01/2009. Já faz um tempinho que foi publicado mas é sempre (muito) atual.
Eu não me recordo do Nicolas Marshall, mas conheço a história e o "Complexo". Ou seriam "complexados"?!?!
Show xará!!!
 
Prof. Matzenbacher


O Juiz e o Complexo de Nicolas Marshall

Por ALEXANDRE MORAIS DA ROSA [2]
 
Talvez muitos não se recordem do Juiz Nicolas Marshall[1]. Por isso vale a pena lembrar que durante certo tempo foi exibido um seriado de TV no qual o Juiz (Nicolas Marshall) era um respeitável e honrado Juiz durante o dia, cumprindo as leis em vigor, os prazos processuais, os direitos dos acusados e, no entanto, no período da noite, longe do Tribunal, com roupas populares, cabelos soltos - já que os tinha compridos -, decidia “fazer Justiça”. O seriado, por isso, denominava-se “Justiça Final”. Pretendendo o bem da sociedade e, antes das vítimas – evidente -, procurava por todas as formas aniquilar, matar e “resolver” os casos criminais (leia-se “criminosos”) que conhecia, ao arrepio da Lei, claro. Acreditava que a Justiça ordinária era incapaz de “dar a devida resposta aos criminosos” e, então, por suas mãos, enfim, aplicava a (sua boa) Justiça. Era um espécime que mesmo exercendo funções estatais, preferia, se esgueirando no submundo, protagonizar a função de Justiceiro incontrolado, movido por paixões pessoais.

Esse seriado retirado do fundo baú faz surgir uma reflexão importante atualmente: Considerando que os resultados de controle social da atuação como Juiz não resultam no que se esperava, será que está justificada a atuação como vingador social?

A resposta é negativa! O preço de se viver em democracia é o respeito pela diferença e proibição da vingança privada. O Estado é quem assume a legitimidade para aplicar qualquer sanção, mediante um Juiz Imparcial, não se podendo admitir a vingança pessoal, sob pena de configuração de crime (CP art. 345).

Todavia, diante da ineficiência dos mecanismos de controle existentes, muito em decorrência do modelo repressor adotado, o qual reproduz a injustiça social reinante, valendo por todos a crítica formulada pelo saudoso Professor Alessandro Baratta, acabam surgindo aqueles que “sabem o que é melhor para sociedade” e buscam aplicar as penas pelas próprias mãos: surgem os Juízes Justiceiros, inspirados no herói Nicolas Marshall.

Cuida-se, no fundo, do “Complexo de Nicolas Marshall”. Esse complexo atua na maioria dos casos de forma inconsciente na busca legítima de se cumprir o papel jurisdicional. Acaba se instalando na prática jurídica nos espaços de discricionariedade (ilegítimos) abertos na legislação, tão bem criticados por Ferrajoli (Direito e Razão), os quais deixam para “bondade” do órgão julgador a aplicação da Lei.

O problema é saber, como diz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, qual é o critério, ou seja, o que é a ‘bondade’ para ele. Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes; e neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um lugar tão vago, por outro lado, aparecem facilmente os conhecidos ‘justiceiros’, sempre lotados de ‘bondade’, em geral querendo o ‘bem’ dos condenados e, antes, o da sociedade. Em realidade, há aí puro narcisismo; gente lutando contra seus próprios fantasmas.

Resultado disso é que os Vingadores Sociais, muitos deles usurpando da parcela de poder estatal que lhes é conferida como Juízes, ou seja, no dever constitucional de garante dos Direitos Fundamentais e Humanos, nem precisam tirar suas becas para ceder espaço ao “Complexo de Nicolas Marshall”; o fazem em suas decisões mediante recursos retóricos aceitos pelo senso comum teórico (Warat), em meras aplicações de lógica dedutiva no âmbito penal. Dentre estes existem dois, os quais classifico utilizando a boa dogmática (não resisto): o doloso, que conhece a teoria do delito, imputação objetiva, tipo do injusto, culpabilidade, dentre outras discussões contemporâneas, mas mesmo assim acredita que somente desta forma se faz Justiça. E o segundo, o culposo que, por incapacidade teórica e de vontade acaba reeditando o raciocínio dedutivo em nome da “manutenção da paz social”, sendo incapaz de discutir seriamente qualquer das questões antes indicadas. É o Juiz papagueador (aprende para repetir, somente).

E, ao final, a pergunta que remanesce é a formulada por Agostinho Ramalho Marques Neto: quem nos salva da bondade dos bons (juízes)? Cuidado ao pisar no tapete....

[1] Deixo claro, com L. F. Barros, que essa é uma crítica de ficção em que, como em todas as outras do gênero, quaisquer semelhanças com situações e personagens reais foi cuidadosa, meticulosa e intencionalmente planejada. Todas as dessemelhanças com a bizarra realidade dos personagens e teorias aqui apresentados devem-se apenas à falta de habilidade descritiva do autor.
[2] Alexandre Morais da Rosa exerce a função de Juiz Estadual em SC. É Doutor (UFPR) e Mestre(UFSC). Durante muito tempo sofreu de “normalpatia” (L.F. Barros).
 
FONTE:
http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2009/01/o-juiz-e-o-complexo-de-nicolas-marshall.html