sexta-feira, 1 de junho de 2012

ARTIGO - A senhora da Madison Avenue e a Praça dos Três Poderes

Caros,
as palavras do colega e Professor JULIANO BREDA são "cirúrgicas". Vejam em que ponto chegamos, diante da representação oferecida pelo representante do Ministério Público Federal (com apoio de sua Associação Nacional!) para investigar o Advogado MARCIO THOMAZ BASTOS, acusando-o de "receptação culposa" por receber honorários "vultuosos" e "sem procedência lícita", em razão de ser o patrono e exercer a defesa do Carlinhos Cachoeira. Chega a ser (sur)real confundir o Advogado com o Representado, que se senta no banco dos réus. Se a mídia e a opinião pública já fazem isso, imagina agora, com o "apoio" da Associação Nacional dos Procuradores da República! 
O ADVOGADO É INDISPENSÁVEL À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA (art. 133, CF/88). 
Mas que absurdo isso tchê.

Prof. Matzenbacher

PS: Depois, ainda há quem acredite na função de "custos legis" do MP no processo penal...



A senhora da Madison Avenue e a Praça dos Três Poderes



Alan Dershowitz e sua esposa desciam tranquilamente a Madison Avenue quando foram abordados por uma senhora de idade avançada: “Você era um defensor de judeus e agora defende assassinos de judeus. Você me desapontou!”. Duas quadras depois, um jovem negro levanta a mão em sua direção, como quem quer cumprimentar um antigo amigo de high school, e fala: “Grande trabalho, eu amo o que você faz!”. A ambos, o advogado ofereceu a mesma resposta: “Não me avaliem dessa forma, vocês não entendem exatamente o que eu faço”.
Foi com essas imagens que um dos maiores advogados criminais da atualidade retratou a repercussão na opinião pública de sua defesa em favor de Orenthal James Simpson, conhecido atleta de futebol americano e ator, na acusação de homicídio contra Nicole Brown e Ronald Goldman. No livro em que Dershowitz conta essa passagem, Reasonable Doubts, há uma fotografia ainda mais impressionante, captada no exato momento que se anunciou o veredito de absolvição de OJ. Em uma sala do Augustana College, em Illinois, estudantes, brancos e negros, dividem-se entre o riso e o espanto, a comemoração e o luto.
O Brasil está reproduzindo essas cenas atualmente. Parte da população — grande parte, em verdade — não compreende o trabalho e, sobretudo, a importância do advogado criminal em um caso midiático, ao postular a inocência ou a ilegalidade das provas colhidas em face de quem é culpado antecipadamente, com o máximo rigor possível, pela opinião pública.
Na lição de René Dotti: “Os fundamentalistas do arbítrio fazem do julgamento antecipado o patíbulo para a decapitação da ordem jurídica”. Nas comissões parlamentares de inquérito, o silêncio é interpretado como confissão e constitui-se em pretexto para a degradação da honra do indivíduo.
O advogado criminal desempenha uma função essencial à administração da Justiça (com o perdão do surrado, mas sempre atual, clichê). Sem ele, todos os direitos fundamentais perdem sentido, pois não podem ser adequadamente invocados e garantidos. Em suas manifestações, o advogado criminal não pode mentir, mas, por imposição legal, deve guardar sigilo sobre o que saiba em razão de seu ofício, sob pena, inclusive, de cometer crime de violação de sigilo, e esse dilema é especialmente complexo para o entendimento leigo.
A intolerância das ruas institucionaliza-se a ponto de um procurador da República representar pela investigação do defensor de Carlinhos Cachoeira, o ilustre advogado Márcio Thomaz Bastos, pelo simples fato de receber honorários devidos ao exercício legítimo de sua atividade profissional. A Associação Nacional dos procuradores da República solidariza-se ao seu associado sob o argumento de que a “petição louva-se na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), segundo a qual o recebimento de vultosa quantia de quem não tem renda lícita constitui crime de receptação culposa”. Certamente essa frase não seria escrita pelo subscritor da nota em seu concurso de ingresso no Ministério Público Federal. O Conselho Federal da OAB reagiu imediatamente e tomará todas as medidas jurídicas cabíveis para assegurar ao advogado suas prerrogativas.
Aliás, em coletânea recente sobre o crime de lavagem de dinheiro, editada pela Verbo Jurídico com artigos redigidos apenas por procuradores da República, Rodrigo de Grandis, ao comentar a hipótese de recebimento e declaração de honorários por parte do advogado de suspeitos de crime, conclui evidentemente por sua atipicidade.
O advogado criminal, enfim, deve ser ético, leal e honesto. Seu cliente pode não ser e muitas vezes não é. Mas isso apenas a Justiça pode afirmar e deve fazer esse juízo em um ambiente de serenidade.
E infelizmente o cenário judicial não contribui. Quem frequenta Brasília sabe disso. O ambiente é de tensão, hostilidade, pressão, temor, intrigas, boatos, enfim, um intrincado jogo de “xadrez”, com todos os duplos sentidos que o termo pode nos sugerir. Paira no ar seco do planalto um espectro de suspeição geral.
O mensalão e a CPI figuram no centro desse tabuleiro minado. Executivo e Congresso movem suas peças, sob o olhar do Supremo, que precisa decidir reafirmando a principal conquista democrática do Estado de Direito: a independência judicial, princípio inarredável ao controle democrático do poder, devendo ficar imune a toda e qualquer pressão, seja ela de que lado, cor, revista ou blog venha. Comedimento e respeito mútuo entre as autoridades e as instituições também serão essenciais.
Há quem pretenda, irresponsavelmente, colocar ao lado dos réus do mensalão o passado de alguns dos próprios ministros do STF. Trata-se de um equívoco grave, para dizer o mínimo. O Supremo estará julgando o seu futuro e a nossa capacidade de seguir confiando no sistema de justiça. A sociedade não pode exigir nada mais do que uma decisão fundada na liberdade de convicção de cada julgador.
Cumprida a missão constitucional, nossos 11 ministros poderão passear tranquilamente pela Praça dos Três Poderes, sem que a escultura de Cescchiati, a Deusa da Justiça, os interpele como a senhora da Madison Avenue.

Juliano Breda é advogado, doutor em Direito pela UFPR e secretário-geral OAB-PR.




FONTE: CONJUR (em 01/06/2012)