terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Lei 12.736

Caros,
ontem foi publicada a Lei 12.736/2012, na qual o Juiz deve considerar a detração já ao proferir a sentença condenatória. Trata-se de uma lei que garante (ou visa garantir) ainda mais o respeito ao direito à liberdade daquele que (ainda) está sentado no banco dos réus, lembrando que existem recursos diante do edito condenatório. E o principal, já impõe a necessidade de consideração da detração para a designação do regime inicial da pena, deslocando essa (tardia) análise (somente) pelo Magistrado da Vara de Execução Penal.
Ponto para o Congresso Nacional!
A propósito: a publicação dessa lei ontem foi influenciada pelo resultado da AP 470 (mensalão)??
 
Prof. Matzenbacher


Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos


Dá nova redação ao art. 387 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, para a detração ser considerada pelo juiz que proferir sentença condenatória.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A detração deverá ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória, nos termos desta Lei.

Art. 2o O art. 387 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 387. ......................................................................
§ 1o O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.
§ 2o O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.” (NR)

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 30 de novembro de 2012; 191o da Independência e 124o da República.

DILMA ROUSSEFFJosé Eduardo Cardozo

Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.12.2012

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Quem disse que Direitos Humanos é Direito de Bandido?

Caros,
um tema recorrente e sem dúvida muito mal tratado pelo senso comum (tanto teórico quanto comum-comum mesmo), que por ignorância ou perversidade, enchem a boca para falar a frase título do artigo e do post. COmo bandeira política então, nem se fale. Ir para um palanque e defender Direitos Humanos para todos é como pedir para ser escrachado publicamente. Mas para descer a lenha nos Direitos Humanos dos seres humanos que praticaram um(ns) crime(s) é ser louvado como o grande salvador da pátria e realmente defensor da paz social e da democracia (qual?).
O artigo não é uma discussão filosófico-jurídica sobre Direitos Humanos, mas linhas simples e objetivas que mostram claramente a a visão de como esses Direitos são vistos por seres (questiono se são humanos). Serve principalmente ao senso comum, que é facilmente enganado e manipulado discursivamente, sobre o porquê devemos pensar sobre Direitos HUMANOS. Se bem que, senso comum, é comum mesmo, então, não posso esperar ue leiam o que está aqui postado.

RAPIDINHA:
 
Hoje dizem: - Ah os garantistas.
 
Quando precisarem, dirão: - Ah, os GARANTISTAS!

 
Prof. Matzenbacher

PS: para ver o vídeo citado no artigo acesse diretamente o link ao final, citado como fonte.


QUEM DISSE QUE DIREITOS HUMANOS É DIREITO DE BANDIDO?

A vereadora Elaine Matozinhos perdeu, na última segunda feira, dia 5 de novembro, uma excelente oportunidade de ficar calada. Ou talvez seja o inverso: devemos agradecer à parlamentar por mostrar, em um pronunciamento na Câmara Municipal de Belo Horizonte, sua postura autoritária, irrefletida e danosa acerca do importantíssimo tema dos Direitos Humanos. Ela, além disso, teceu considerações completamente descabidas sobre a Comissão da Verdade e os crimes perpetrados pelo Estado na Ditadura Militar, mas isso é assunto para outra coluna. Ver um parlamentar defendendo, ainda que de forma velada, a tortura policial e a ditadura em um discurso em um órgão público do Brasil redemocratizado não é, infelizmente, algo incomum, pois vivemos em uma democracia ainda recente.
Matozinhos, que se tornou delegada durante a ditadura militar, parece não haver abandonado o ranço truculento e antidemocrático que marcava as instituições políticas e policiais no período e que, infelizmente, deixou resíduos perceptíveis em muitas das práticas adotadas cotidianamente em nosso país. A vereadora, basicamente, fez uso da palavra, no exercício de suas funções para defender a postura “idiotizante”, compartilhada por parte do senso comum, de que os Direitos Humanos, atualmente, servem apenas para defender “bandidos” e “vagabundos” e para atacar as polícias.
 
Não existe mito no Brasil contemporâneo que não seja, ao mesmo tempo, tão disseminado e tão falso. Apresentadores de programas sensacionalistas, quando vão mostrar à população qualquer crime horrendo, sempre desfilam, depois de uma tacanha entrevista com o suspeito, o mesmo repetitivo discurso. O palavrório já deve ser conhecido de nossos leitores: trata-se de uma caricatura grotesca de argumentação, dita sempre aos berros e com o dedo indicador em riste, culpando os defensores dos Direitos Humanos por todas as mazelas que hoje assolam nosso país.
Pois, gostaríamos de deixar claro de uma vez por todas: quem defende os Direitos Humanos defende a integridade física e a vida das pessoas que se encontram sob a tutela prisional do estado sim, mas defende também, e de muitas maneiras diferentes, os direitos e o bem estar de todos os brasileiros.
Antes de continuar, é importante explicar de forma clara o que são os tais Direitos Humanos, que se tornaram o bode expiatório favorito de parte da nossa imprensa.
Os Direitos Humanos são nada mais do que o conjunto de normas e valores considerados essenciais e básicos para que todo e qualquer ser humano possa ter uma vida digna e livre. São normas criadas para garantir às pessoas algumas prerrogativas sem as quais a vida humana não pode ser nem inteiramente vida e nem inteiramente humana.  A liberdade de expressão, o direito à integridade física, a um julgamento justo, o direito de ir e vir, à alimentação, à saúde, à educação, à moradia, à expressão afetiva, à liberdade religiosa… todos esses são Direitos Humanos.
Outra característica importante dos Direitos Humanos é a sua universalidade. Trata-se de uma simples questão de lógica: se esses direitos se aplicassem apenas a uma parcela da população e não se aplicasse a outra, o Estado não estaria reconhecendo uma parcela de seus habitantes como gente, o que foi, exatamente, o que Hitler fez com os judeus, os ciganos e os homossexuais.
A universalidade dos Direitos Humanos tem implicações importantes: se você defender que essa gama de prerrogativas básicas não se aplica aos presos, sejam eles réus, condenados ou suspeitos, estará defendendo que, na eventualidade (que não é assim tão eventual) de a polícia brasileira cometer um erro e te meter no xilindró, você estará poderá se sujeitar à tortura, a tratamentos degradantes, a privação de comida e água e a todas as medidas absurdas e meramente vingativas que certas pessoas defendem para combater a criminalidade.
Em nosso país, os detentos são temporariamente privados de alguns direitos humanos, como, por exemplo, a liberdade de ir e vir e os direitos políticos, mas reparem que não são direitos cuja suspensão acarreta danos irreparáveis, como o direito à vida, à integridade física e à saúde.
Pode-se argumentar que o estado não garante saúde, educação, segurança e moradia dignas para boa parte da população. Por que deveria garantir esse direito aos presos?
Respondo: não é o fato de o Brasil estar errado em não oferecer condições dignas de vida para todos os seus súditos que estão livres, que vai tornar corretas as violações aos Direitos Humanos dentro dos estabelecimentos carcerários. Aliás, se existissem em nosso país políticas sérias e efetivas de implementação dos Direitos Humanos em todas as esferas da vida dos cidadãos, o problema da violência, que tanto parece preocupar as “Elaines Matozinhos” que existem por aí seria, certamente, muito menor.
Por falar em Elaine Matozinhos, fica aqui um recado para a vereadora: a liberdade de expressão, que garantiu à vereadora o direito de fazer uso da palavra em um órgão público para suas imprecações raivosas e o direto ao voto, que a colocou em seu atual cargo, são, ambos, Direitos Humanos.
A defesa dos Direitos Humanos é uma simples questão de raciocínio lógico e de humanidade e discursos como os da vereadora só servem para desviar o foco do verdadeiro problema: a pouca atenção que tem sido dada a esses direitos por nossos órgãos políticos. Contra isso sim, vale a pena discursar.
** Pedro Munhoz é advogado e historiador. Escreve no Bhaz às quartas-feiras.
 
FONTE: em 08/11/2012

 

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Juiz e o Complexo de Nicolas Marshall

Caros,
não tem como não compartilhar o artigo escrito pelo Alexandre Morais da Rosa e disponibilizado em seu BLOG em 27/01/2009. Já faz um tempinho que foi publicado mas é sempre (muito) atual.
Eu não me recordo do Nicolas Marshall, mas conheço a história e o "Complexo". Ou seriam "complexados"?!?!
Show xará!!!
 
Prof. Matzenbacher


O Juiz e o Complexo de Nicolas Marshall

Por ALEXANDRE MORAIS DA ROSA [2]
 
Talvez muitos não se recordem do Juiz Nicolas Marshall[1]. Por isso vale a pena lembrar que durante certo tempo foi exibido um seriado de TV no qual o Juiz (Nicolas Marshall) era um respeitável e honrado Juiz durante o dia, cumprindo as leis em vigor, os prazos processuais, os direitos dos acusados e, no entanto, no período da noite, longe do Tribunal, com roupas populares, cabelos soltos - já que os tinha compridos -, decidia “fazer Justiça”. O seriado, por isso, denominava-se “Justiça Final”. Pretendendo o bem da sociedade e, antes das vítimas – evidente -, procurava por todas as formas aniquilar, matar e “resolver” os casos criminais (leia-se “criminosos”) que conhecia, ao arrepio da Lei, claro. Acreditava que a Justiça ordinária era incapaz de “dar a devida resposta aos criminosos” e, então, por suas mãos, enfim, aplicava a (sua boa) Justiça. Era um espécime que mesmo exercendo funções estatais, preferia, se esgueirando no submundo, protagonizar a função de Justiceiro incontrolado, movido por paixões pessoais.

Esse seriado retirado do fundo baú faz surgir uma reflexão importante atualmente: Considerando que os resultados de controle social da atuação como Juiz não resultam no que se esperava, será que está justificada a atuação como vingador social?

A resposta é negativa! O preço de se viver em democracia é o respeito pela diferença e proibição da vingança privada. O Estado é quem assume a legitimidade para aplicar qualquer sanção, mediante um Juiz Imparcial, não se podendo admitir a vingança pessoal, sob pena de configuração de crime (CP art. 345).

Todavia, diante da ineficiência dos mecanismos de controle existentes, muito em decorrência do modelo repressor adotado, o qual reproduz a injustiça social reinante, valendo por todos a crítica formulada pelo saudoso Professor Alessandro Baratta, acabam surgindo aqueles que “sabem o que é melhor para sociedade” e buscam aplicar as penas pelas próprias mãos: surgem os Juízes Justiceiros, inspirados no herói Nicolas Marshall.

Cuida-se, no fundo, do “Complexo de Nicolas Marshall”. Esse complexo atua na maioria dos casos de forma inconsciente na busca legítima de se cumprir o papel jurisdicional. Acaba se instalando na prática jurídica nos espaços de discricionariedade (ilegítimos) abertos na legislação, tão bem criticados por Ferrajoli (Direito e Razão), os quais deixam para “bondade” do órgão julgador a aplicação da Lei.

O problema é saber, como diz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, qual é o critério, ou seja, o que é a ‘bondade’ para ele. Um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes; e neste diapasão os exemplos multiplicam-se. Em um lugar tão vago, por outro lado, aparecem facilmente os conhecidos ‘justiceiros’, sempre lotados de ‘bondade’, em geral querendo o ‘bem’ dos condenados e, antes, o da sociedade. Em realidade, há aí puro narcisismo; gente lutando contra seus próprios fantasmas.

Resultado disso é que os Vingadores Sociais, muitos deles usurpando da parcela de poder estatal que lhes é conferida como Juízes, ou seja, no dever constitucional de garante dos Direitos Fundamentais e Humanos, nem precisam tirar suas becas para ceder espaço ao “Complexo de Nicolas Marshall”; o fazem em suas decisões mediante recursos retóricos aceitos pelo senso comum teórico (Warat), em meras aplicações de lógica dedutiva no âmbito penal. Dentre estes existem dois, os quais classifico utilizando a boa dogmática (não resisto): o doloso, que conhece a teoria do delito, imputação objetiva, tipo do injusto, culpabilidade, dentre outras discussões contemporâneas, mas mesmo assim acredita que somente desta forma se faz Justiça. E o segundo, o culposo que, por incapacidade teórica e de vontade acaba reeditando o raciocínio dedutivo em nome da “manutenção da paz social”, sendo incapaz de discutir seriamente qualquer das questões antes indicadas. É o Juiz papagueador (aprende para repetir, somente).

E, ao final, a pergunta que remanesce é a formulada por Agostinho Ramalho Marques Neto: quem nos salva da bondade dos bons (juízes)? Cuidado ao pisar no tapete....

[1] Deixo claro, com L. F. Barros, que essa é uma crítica de ficção em que, como em todas as outras do gênero, quaisquer semelhanças com situações e personagens reais foi cuidadosa, meticulosa e intencionalmente planejada. Todas as dessemelhanças com a bizarra realidade dos personagens e teorias aqui apresentados devem-se apenas à falta de habilidade descritiva do autor.
[2] Alexandre Morais da Rosa exerce a função de Juiz Estadual em SC. É Doutor (UFPR) e Mestre(UFSC). Durante muito tempo sofreu de “normalpatia” (L.F. Barros).
 
FONTE:
http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2009/01/o-juiz-e-o-complexo-de-nicolas-marshall.html

STJ - HC. Tribunal do Júri. Pronúncia. Excesso de linguagem. Nulidade. Prisão preventiva.

Caros Acadêmicos da Turma D38, aqui está um acórdão do STJ, envolvendo o rito do Tribunal do Júri, especialmente o "excesso de linguagem" na pronúncia. LEIAM e REFLITAM sobre o caso...
 
Prof. Matzenbacher


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Alunos de universidades particulares estudam menos, diz Ipea

 
07/11/2012 - Segundo pesquisa, 37,1% dos universitários brasileiros dedicam menos de 5 horas semanais aos estudos fora da sala de aula.

Os alunos de instituições particulares de ensino superior dedicam menos tempo fora da sala de aula aos estudos do que os matriculados em universidades públicas. É o que mostram os dados preliminares de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) sobre a juventude brasileira, divulgados nesta terça-feira, 6.

Os técnicos do Ipea entrevistaram 2,4 mil estudantes de duas instituições públicas e quatro particulares de São Paulo e Brasília. Segundo o levantamento, 37,1% dos universitários brasileiros utilizam menos de 5 horas semanais para estudos fora da sala de aula. No outro extremo, 3,6% dos participantes da pesquisa afirmaram estudar mais de 26 horas semanais fora da sala de aula.

Na amostra da pesquisa detectou-se que 52% dos alunos estudam e trabalham. Desse grupo, a maior parte (44,7%) declarou separar menos de 5 horas semanais para estudos complementares - "o que é esperado de quem trabalha e estuda", dizem os técnicos do Ipea.

No entanto, 34,9% dos estudantes que se definiram como desempregados utilizam essa mesma quantidade de horas para estudos fora da universidade. A pesquisa, que compara a juventude brasileira à chinesa, é resultado de acordo de cooperação técnica entre o Ipea, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), o Centro de Pesquisa em Infância e Juventude da China e a Associação de Pesquisa em Infância e Juventude da China. Ao todo 2,4 mil jovens do país asiático também foram ouvidos
Fonte: O Estado de São Paulo
 
 
VAMOS MUDAR ESSA REALIDADE? VAMOS ESTUDAR MAIS, PESQUISAR MAIS, OBSERVAR MAIS, SE ESFORÇAR MAIS PARA APRENDER CADA VEZ MAIS?
COMO DISSE PILAR DEL RÍO (VIÚVA DE SARAMAGO), NO LIVRO "JOSÉ E PILLAR", "O CONHECIMENTO É O MAIOR E ÚNICO BEM POSSÍVEL".
VAMOS LÁ TCHÊ!!!
 
Prof. MATZENBACHER

Violações de direitos humanos nos presídios Aníbal Bruno e Urso Branco são discutidas na OEA

03/11/2012 - 19h42
 
Kelly Oliveira*
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Representantes da sociedade civil querem que o Brasil vá para o banco dos réus na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) devido a problemas no maior presídio do país, o Aníbal Bruno, em Pernambuco.
Hoje (3), a violação de direitos humanos nos presídios Aníbal Bruno e Urso Branco, em Rondônia, foi tema de reuniões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Washington, nos Estados Unidos. As reuniões contaram com a presença de representantes dos governos dos dois estados, do governo federal e da sociedade civil.
O advogado da organização não governamental Justiça Global e representante da Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Harvard Fernando Delgado explicou que o pedido de medida provisória para o caso do Presídio Aníbal Bruno é uma espécie de sanção mais grave. Isso porque o Brasil já havia se comprometido a cumprir medidas cautelares para resolver os problemas de violação de direitos humanos e para ampliar a segurança de funcionários do presídio e de visitantes. Para chegar até a corte, o pedido ainda precisa ser aprovado e encaminhado pela CIDH.
De acordo com Delgado, o Presídio Aníbal Bruno abriga quase três vezes mais detentos que sua capacidade. São cerca de 5 mil homens para 1.448 vagas. Os representantes da Justiça Global informaram na reunião que desde agosto de 2011 ocorreram pelo menos 14 homicídios no Presídio Aníbal Bruno. Delgado disse ainda que a última morte, no mês passado, foi de um preso provisório de 20 anos, acusado de furto. “Era um preso provisório há mais de um ano”, destacou. A organização não governamental também relatou que há casos de tortura e de morte por falta de atendimento médico.
“Nossa expectativa é que o Estado comece a levar mais a sério essa questão. Devido ao agravamento da violência no presídio e ao descuido, há todas as chances de ir para a corte”, disse Delgado.
Delgado também informou que no caso do Presídio Urso Branco a reunião foi feita para avaliar as medidas de melhoria na penitenciária e a adoção de medidas previstas no Pacto para Melhoria do Sistema Prisional do Estado de Rondônia de 2011.
Delgado lembra que o Urso Branco foi cenário do segundo maior massacre de presos do país, depois do Carandiru. Na passagem do dia 1° para 2 de janeiro de 2002, foram assassinadas 27 pessoas no presídio. Na época, a CIDH sugeriu medidas provisórias para garantir a vida e a integridade dos detentos.
De acordo com a Justiça Global, a superlotação na penitenciária persiste – com capacidade para 460 homens, atualmente abriga cerca de 700. “No Presídio Urso Branco houve um homicídio em janeiro. Há falta de assessoria jurídica e casos de tortura”, disse Delgado.
Em entrevista à Agência Brasil, a secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Salete Valesan Camba, informou que no dia 13 haverá um encontro entre integrantes da Secretaria de Direitos Humanos, da Coordenação de Combate à Tortura, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e do governo de Rondônia para encaminhar as recomendações da OEA sobre o Presídio Urso Branco.
Devem ser discutidos três pontos: o fortalecimento da Defensoria Pública, a criação do Comitê de Combate à Tortura e a implementação do Mecanismo de Combate à Tortura (grupo de peritos independentes para acompanhar e fiscalizar o sistema penitenciário estadual).
Sobre o Aníbal Bruno, ela disse que haverá uma audiência pública no Recife, no dia 28, com a participação do governo federal e estadual, além de defensores públicos. “O estado de Pernambuco está presente na OEA. Vamos trabalhar a fim de que sejam cumpridas as medidas que lhe foram oficializadas para que não seja preciso recorrer à corte [Interamericana de Direitos Humanos].”
*Colaborou Talita Cavalcante
Edição: Andréa Quintiere
 
 
RECEBI DO VINICIUS, D38! OBRIGADO TCHÊ!
Ainda estamos apenas com as "medidas provisionales". Esperamos que as reuniões trimestrais que ocorram demonstrem as (ainda) graves violações de Direitos Humanos dos presos. Que venha a (dupla) condenação.

Prof. Matzenbacher

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A criatividade vai salvar o mundo



01/11/2012 - (se a burocracia não nos tirar o direito de pensar)

Em entrevista exclusiva ao Administradores.com, o sociólogo Domenico de Masi faz projeções sobre o futuro do planeta, explica por que o excesso de trabalho é negativo, critica o Google e o Facebook e, claro, culpa a burocracia pela maioria dos problemas do planeta

Por Simão Mairins

"Os burocratas são os assassinos tristes dos alegres criativos". Com essa pequena frase – tão cheia de efeito quanto de significado – o sociólogo italiano Domenico de Masi nos respondeu por que odeia tanto a burocracia. E é justamente essa repulsa a base de boa parte de seu pensamento, que o tornou uma das figuras de maior influência no mundo desde os anos 1970, quando suas obras ganharam notoriedade. Para Domenico, a burocracia gera trabalhos desnecessários, os trabalhos desnecessários nos fazem trabalhar mais, e trabalhando mais em atividades burocráticas temos menos tempo para dedicar à atividade intelectual, para ele, o motor que move o mundo (e nas próximas décadas moverá ainda mais).

O sociólogo estará no Brasil no próximo dia 5, quando fará a abertura do XXII ENBRA (Encontro Brasileiro de Administração) e do VIII Congresso Mundial de Administração, que acontece no Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva ao Administradores.com, ele adiantou alguns pontos que devem permear sua palestra. Ele faz projeções sobre o futuro do planeta, explica por que o excesso de trabalho é negativo, critica o Google e o Facebook e, claro, culpa a burocracia pela maioria dos problemas do planeta (lembrando que, para ele, a burocracia não é simplesmente a demora na tramitação de um documento em um órgão público, mas todas as dificuldades cotidianas que os processos - muitas vezes inúteis - que criamos no dia a dia geram para nossas vidas).

O tema de sua palestra na abertura do Enbra será "Uma era de justiça social: como promover um crescimento forte, sustentável, equilibrado e igualitário". Nossa pergunta, então, é: como, de fato, promover isso?

Nos próximos dez anos, o PIB per capita do mundo será de 15.000 dólares, contra os atuais 8.000. Mas o poder de compra no Ocidente será 15% inferior. O Primeiro Mundo vai conservar a supremacia na produção de ideias. Os países emergentes produzirão sobretudo bens materiais. O terceiro mundo fornecerá matérias-primas e mão-de-obra barata. O PIB da China será como o dos EUA, possuirá os maiores bancos do mundo e 15 megalópoles com mais de 25 milhões de habitantes. Paralelamente aos Bric (Brasil, Rússia, India e China), emergirão os Civets (Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul). Alguns países ainda pobres verão crescer a própria riqueza. Outros, já ricos, verão sua riqueza decrescer. Em ambos os casos será necessária a redistribuição igualitária (justa) do poder, da riqueza, do trabalho, do saber, das oportunidades e dos direitos.

Hoje, diversas empresas aclamadas no mundo, como Google e Facebook, se orgulham do fato de oferecerem aos seus colaboradores a possibilidade de desfrutarem, durante o expediente, de horas vagas, dedicadas a projetos paralelos ou atividades meramente recreativas. Isso é o princípio do ócio criativo tornando-se paradigma no mercado? De forma prática, como seu conceito pode fazer a diferença, ao mesmo tempo, para uma empresa e seus trabalhadores?

O "ócio criativo" é como chamo o trabalho intelectual que consente contemporaneamente que sejam criadas riquezas por meio do/pelo trabalho, conhecimento por meio do estudo, bem-estar por meio do jogo/da brincadeira/do lúdico. Empresas como o Google e o Facebook, unindo trabalho e recreação, satisfazem o lado infantil do trabalhador, mas não eliminam completamente os paradoxos existentes em todas as organizações empresariais gerenciadas no modo industrial. Elenco algumas:

- A oferta de trabalho diminui, a demanda de trabalho cresce e o horário de trabalho continua o mesmo ou maior. Os pais, então, trabalham 10 horas por dia e os filhos estão completamente desocupados (como é o caso da Espanha, por exemplo).

- Temos cada vez mais liberdade sexual, mas as empresas estão cada dia mais sexofóbicas.

- A produção de ideias necessita de autonomia e de liberdade, mas as empresas se burocratizam cada vez mais.

- O trabalho intelectual requer motivação, mas costuma ser conduzido sobretudo pelo controle e pelo medo.

- As mulheres estudam e trabalham melhor, mas fazem menos carreiras e têm salários menores.

Você faz parte de uma corrente otimista, que defende a ideia de que chegaremos a um ponto de sociedade pós-industrial dedicada ao lazer e ócio criativo. Entretanto, essa crise global parece levar a humanidade em outra direção, onde sequer o trabalho "comum" está disponível para a maior parte das pessoas. Esse cenário atual o fez em algum momento questionar suas crenças?

O ócio criativo é a modalidade com a qual podem trabalhar, estudar, brincar e viver os trabalhadores que desenvolvem atividades intelectuais — executivos, administradores, profissionais, dirigentes, jornalistas, estudantes, professores, artistas, cientistas etc. Estes trabalhadores representam agora 70% da população ativa. Sou otimista porque, graças ao progresso tecnológico, o número dos trabalhadores intelectuais aumentará sempre mais, enquanto o dos operários condenados à fadiga física diminuirá. Isto determina a passagem da sociedade industrial, que produz sobretudo bens materiais, à pós-industrial, que produz sobretudo bens imateriais (serviços, informações, símbolos, valores, estética). O ócio criativo é a modalidade com a qual trabalha e vive todo trabalhador intelectual não alienado.

Na Europa, economistas, governos, o BCE e bancos privados atribuem a crise, entre outras coisas, a supostos excessos de privilégios garantidos pelo estado de bem estar social. Como você vê essa questão? A busca pela qualidade de vida, a felicidade, são incompatíveis com o modelo de sociedade que o estágio atual do capitalismo impõe?

O welfare — bem-estar social — é a criação mais nobre da sociedade europeia. Na Alemanha, Inglaterra, nos países escandinavos, onde o Estado gasta mais com o welfare e o bem-estar é mais garantido, os balanços do Estado são mais saudáveis e regulares. Na Grécia, Itália, Espanha e Portugal, onde o Estado gasta menos com o welfare e o bem-estar é menos garantido, os balanços do Estado também estão em déficit. O atual modelo capitalista é baseado na falsa certeza de um crescimento infinito, de um consumismo exagerado, de uma competitividade selvagem. Neste capitalismo, a economia tem vantagem sobre a política, as finanças têm vantagem sobre a economia, a tática tem vantagem sobre a estratégia. É necessária a elaboração de um novo modelo de sociedade no qual a política tenha a responsabilidade por um longo tempo, a economia se interesse por um tempo a médio prazo e a finança fique rigidamente restrita em operações de curto espaço de tempo.

Você é um crítico ferrenho da burocracia. Por quê?

Os burocratas são os assassinos tristes dos alegres criativos.

Você acredita que hoje, mais do que em qualquer outra época, o mundo é de quem tem boas ideias? Por quê?

A sociedade pós-industrial é baseada na projeção do futuro. O futuro se projeta com fantasia e de forma concreta. Isto é, com criatividade e sabedoria


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Entrevista MIGUEL REALE JR sobre o Projeto do Novo Código Penal

Caros,
vejam essa entrevista do MIGUEL REALE JR, detonando o Projeto do Novo Código Penal apresentado pelos "notáveis". É do mês passado mas está valendo, até porque, como comentei, essa semana tecerei alguns comentário sobre o Projeto Sarney-Dipp.
Boa leitura!
 
Prof. Matzenbacher


"Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto"

Por Pedro Canário e Marcos de Vasconcellos

 
De todas as atividades que Miguel Reale Júnior já desempenhou na vida, a que melhor o define, e que exerceu por mais tempo, é a de professor. É livre-docente da Universidade de São Paulo desde 1973 e professor titular desde 1988. Foi lá também que concluiu seu doutoramento, em 1971. Tudo na área do Direito Penal.
 
Fora das salas de aula, foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo durante o governo de Franco Montoro (1983-1987), presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos desde sua criação até 2001 e presidente do PSDB. Mas é a versão "professor" que o jurista mais deixa aflorar nesta primeira parte da entrevista concedida à revista Consultor Jurídico no dia 21 de agosto.
 
O texto do anteprojeto de reforma do Código Penal, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado, recém-enviado ao Congresso, é hoje o alvo preferido do penalista. “O projeto é uma obscenidade, é gravíssimo”, diz. Para ele, os juristas chefiados pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, não estudaram o suficiente. “Não têm nenhum conhecimento técnico-científico”, dispara.
 
Segundo o professor, faltou experiência à comissão. Tanto no manejo de termos técnicos e científicos quanto na elaboração de leis. Entre os erros citados, o mais grave, para Reale Júnior, foi a inclusão de doutrina e termos teóricos e a apropriação, segundo ele, indiscriminada, da lei esparsa no código. “Não tem conserto. Os erros são de tamanha gravidade, de tamanha profundidade, que não tem mais como consertar.”
 
Leia a primeira parte da entrevista:
 
ConJur — Qual sua avaliação do projeto de reforma do Código Penal?
Miguel Reale Júnior — É uma obscenidade, é gravíssimo. Erros da maior gravidade técnica e da maior gravidade com relação à criação dos tipos penais, de proporcionalidade. E a maior gravidade de todas está na parte geral, porque é uma utilização absolutamente atécnica, acientífica, de questões da maior relevância, em que eles demonstram não ter o mínimo conhecimento de dogmática penal e da estrutura do crime.
 
ConJur — Onde isso aconteceu?
Miguel Reale — Basta ler. Para começar, no primeiro artigo. Está escrito lá: Legalidade. “Não há crime sem lei anterior”. É anterioridade da lei penal! Não existe lei anterior. E eles põem a rubrica de penal na legalidade. Nas causas de exclusão da antijuridicidade, eles colocam “exclusão do fato criminoso”, como se fossem excluir um fato naturalístico. Não é o fato criminoso que desaparece, é a ilicitude que desaparece. É ilógico. De repente, desaparece o fato. Veja o parágrafo 1º: “Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições: mínima ofensividade, inexpressividade da lesão jurídica”. Mas uma coisa se confunde com a outra.
 
ConJur — Onde esses erros interferem?
Miguel Reale — Na parte do princípio da insignificância, da bagatela, colocam lá como exclusão do fato criminoso. E o que se conclui? Que é quando a conduta é de pequena ofensa ou que a lesão seja de pequena mora. Ofensividade e lesividade, para os autores que interpretam, são coisas diferentes. Tem de ter as duas, a ofensividade e a lesividade. E colocam no projeto também como condição, em uma linguagem coloquial, “reduzidíssimo”. Instituiu-se o direito penal coloquial. “Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento.” “Grau de reprovabilidade reduzidíssimo”. A reprovabilidade é da culpabilidade, não tem nada a ver com a antijuridicidade. Que haja um reduzidíssimo grau de reprovação, que isso é uma matéria da culpabilidade, não tem nada a ver com exclusão da antijuridicidade, que erroneamente eles chamam de fato criminoso.
 
ConJur — O que quer dizer "reduzidíssimo"?Miguel Reale — Boa pergunta. O que é reduzidíssimo? Grau de reprovabilidade? A reprovabilidade é elemento da culpabilidade, é o núcleo da culpabilidade, da reprovação. Não é antijuridicidade, não é ilicitude. Estado de necessidade. Considera-se em estado de necessidade quem pratica um fato para proteger bem jurídico. Bem jurídico é o núcleo, é o valor tutelado da lei penal. Ele não sabe o que é bem jurídico? Não é bem jurídico, é direito! Bem jurídico é um termo técnico. Qual é o bem jurídico tutelado pela norma? O juiz vai procurar saber qual é o bem jurídico. O bem jurídico é a vida, por exemplo. Bem jurídico é um conceito dogmático geral, é um valor tutelado por um direito. O que isso mostra? Falta de conhecimento técnico científico de direito jurídico.
 
ConJur — Faltou conhecimento?
Miguel Reale — Faltou estudar. Falta conhecer, manobrar, manejar os conceitos jurídicos. É isso que preocupa. E tem muitas teorias. Então, vamos em determinado autor, como a teoria do domínio do fato. É uma determinada teoria. Não pode fazer teoria no código. Mas existem coisas aqui que realmente ficam... Por exemplo: “considera-se autor”. Vamos ver se é possível entender essa frase: “Os que dominam a vontade de pessoa que age sem dolo atipicamente”. Isso aqui é para ser doutrina. "Atipicamente." Dominam a vontade de pessoa que age sem dolo "atipicamente". Trata-se de alguém que está sob domínio físico, como uma pessoa com uma faca no pescoço. Ou quem é coagido. Usaram uma linguagem que você tem que decifrar. "Dominam a vontade de pessoa que age sem dolo". Como sem dolo? "Justificada" é quem vai e atua em legítima defesa, não tem nada a ver com falta de dolo. Não é dolo. Então, é agir sem dolo de forma justificada? Isso não existe! Não se concebe isso porque são conceitos absolutamente diversos e diferentes.
 
ConJur — São erros banais?
Miguel Reale — Banais. Em suma, trouxeram toda a legislação especial sem se preocupar em melhorar essa legislação esparsa que estava aí, extravagante, que tinha erros manifestos já anotados pela crítica e transpõe sem mudar nada. Crimes financeiros, crimes ambientais. Eu defendo que a lei dos crimes ambientais foi a pior lei brasileira. Mas esse projeto ganha por quilômetros...
 
ConJur — A Lei de Crimes Ambientais é tão ruim?
Miguel Reale — Ela diz que a responsabilidade da pessoa jurídica só ocorrerá se houver uma decisão colegiada pela conduta criminosa, cometida por decisão do seu representante legal ou por ordem do colegiado, em interesse e benefício da entidade. Mas a maior parte dos crimes ambientais são culposos, os mais graves. Quando vaza petróleo na Chevron, por exemplo, não houve uma decisão: “Vamos estourar o cano aqui e destruir ecossistemas...” Pela lei, precisa haver uma decisão de prática do delito. Deixar escrito: “Vamos praticar o delito.” No projeto de Código Penal, eles reproduzem a lei ambiental, mas têm a capacidade, que eu mesmo imaginava inexistente, de aumentar ainda mais as tolices.
 
ConJur — Por que aconteceram erros tão graves?
Miguel Reale — Não sei. Há pessoas até muito amigas, mas que não têm experiência na área efetivamente acadêmica ou experiência legislativa. Eles não conhecem teoria do Direito. Estão trabalhando com teoria do Direito com absoluto desconhecimento técnico.
 
ConJur — Como foi escolhida a comissão?Miguel Reale — Foi o Sarney. Foram pessoas conhecidas, do Sergipe, de Goiás. É o "Código do Sarney", porque daqui a pouco acaba o mandato dele, mas o código criado por ele precisa perdurar. O que mais me impressiona é a forma como isso foi feito.
 
ConJur — Qual foi?Miguel Reale — Foi picotado. Tanto que na exposição de motivos, cada artigo vem assinado por uma pessoa. Não houve trabalho conjunto sistemático, não houve meditação. Eu participei de várias comissões legislativas. O trabalho que dá é você pôr a cabeça no travesseiro, pensar, trocar ideias, fazer reuniões, brigar.
 
ConJur — Falhas teóricas prejudicam os méritos do texto?
Miguel Reale — Seria uma vergonha para a Ciência Jurídica Brasileira se saísse um código com erros tão profundos. Quando você acha que encontrou um absurdo, leia o artigo seguinte. O artigo 137 prevê que a pena para difamação vai de um a dois anos. Já o artigo 140 diz que se a difamação for causada por meio jornalístico, a pena é o dobro. A Lei de Imprensa, que foi declarada inconstitucional, e era considerada dura demais, previa que a pena para isso era de três meses!
 
ConJur — O texto recebeu elogios.Miguel Reale — Os elaboradores é que falaram bem! Fizeram um Código Penal que jornalista gosta. Punham no jornal e se valiam dos meios de comunicação do STJ ou do Senado para agitar a imprensa. Quem é que falou bem? Qual foi o jurista que falou bem? Até porque não se conhecia o projeto, só se conhecia por noticia de jornal. Isso que eu estou dizendo sobre o fato criminoso é gravíssimo. Mas tem erros que já estavam incluídos nos dados preparatórios, como o nexo de causalidade. Eles vão mexer em termos que estavam consagrados no Direito, que ninguém.
 
ConJur — Não estavam em pauta?
Miguel Reale — Não estavam pauta, já estavam consolidadas no Código Penal. Não é uma coisa para ser mexida, nós mesmos não mexemos em 1984, quando fizemos a reforma da parte geral. Mexemos na parte do sistema de penas, mas eles acabaram com o livramento condicional sem justificativa.
 
ConJur — Foi para diminuir as penas das condenações?
Miguel Reale — Pelo contrário, as penas são elevadíssimas! E para fatos irrelevantes. "Artigo 394: omissão de socorro para animal." A qualquer animal. Se você passa e encontra um animal em estado de perigo e não presta socorro a esse animal, sem risco pessoal, sabe qual é a pena? De um a quatro anos. Agora, omitindo socorro a criança extraviada, abandonada ou pessoa ferida, sabe qual a pena? Um mês. Ou seja, a pena por não prestar socorro a um animal é 12 vezes maior do que a pena de não prestar socorro a uma pessoa ferida. Outro exemplo: pescar ou molestar cetáceo. Sabe qual é a pena? Dois a quatro anos. Mas se você molestar um filhote de cetáceo, é três anos. Se você só pesca o cetáceo é dois, mas se o cetáceo morre, passa para quatro anos. Você vai pescar para quê? Para colocar a baleia no aquário dentro de casa?
 
ConJur — E sem livramento condicional.
Miguel Reale — Pois é. Acabar com o livramento condicional é uma violência. Eles criam uma barganha com a colaboração da Justiça. A barganha elimina o processo sem a presença do réu, e é feita pelo advogado ou defensor público que estabelece que não haverá processo. Então, aceita-se uma negociação na qual haverá a imposição de uma pena reduzida sem que se possa aplicar o sistema fechado.
 
ConJur — De onde tiraram isso?
Miguel Reale — Do sistema americano. Para qualquer crime, qualquer delito, haverá barganha para não manter o sistema fechado. E depois da colaboração, já mais vergonhosa de todas, porque quebra com todos os sistemas éticos de vida, que é denunciar os amigos para todos os delitos, vem a colaboração com a Justiça em qualquer tipo de crime. Aí o sujeito não é apenado, em qualquer tipo de delito, se ele antes da denúncia apresentar uma investigação, elementos suficientes para culpar os coautores, os cúmplices. É uma coisa importada. Esse exemplo americano é extremamente grave, porque nos Estados Unidos já se tem a comprovação, estudos estatísticos, do número de pessoas que, na incapacidade de produzir provas a seu favor, na falta de ter um advogado competente, aceitam a barganha porque acham melhor, mais seguro aceitar uma pena menor do que enfrentar o processo.
 
ConJur — Mesmo sendo inocentes?
Miguel Reale — Mesmo sendo inocentes. O número de inocentes que acabam aceitando a barganha, com a ameaça de que haverá uma pena muito maior de outra forma, é muito grande. Por outro lado, a colaboração da Justiça é o sujeito ficar praticando o delito até a hora que a barca vai afundar. Na hora que a barca afunda, ele pula fora e entrega os outros. Quer dizer, é o Estado se valendo da covardia e da falta de ética do criminoso. É a ética do delator. É premiar o mal caráter, premiar o covarde. Porque há de ter pelo menos um código de ética entre aqueles que praticam o crime.
 
ConJur — O novo Código Penal vai acabar com isso?
Miguel Reale — Todas as leis internacionais querem introduzir normas de delação. Delação demonstra o seguinte: incapacidade de apuração. É o juiz, recebendo os fatos, considerar o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade. Se imputado como primário, ou reduzirá a pena de um terço a dois terços ou aplicará somente a pena restritiva. Quer dizer, não tem pena de prisão ao acusado que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação. Mas como voluntariamente? Ele está com um processo em cima dele.
 
ConJur — Como funcionaria essa delação?
Miguel Reale — Você delata, sua delação fica sigilosa, e depois que é delatado é dado conhecimento dela aos advogados das partes, ou dos réus, que foram delatados pelo beneficiário. É delação de coautor. Os coautores vão ser processados por causa da delação. Está dizendo aqui que não basta a delação para ser prova, tem que ter outros elementos. Mas ele delatou. E se não tiver nenhuma outra prova? Não está escrito aqui. Aqui diz a total ou parcial identificação dos demais coautores, e não prova.
 
ConJur — Ou seja, é preciso correr para delatar primeiro e não ser delatado por um comparsa.
Miguel Reale — Sim. E a delação tem de ter como resultado: "a total ou parcial identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; a localização da vítima com a sua integridade física preservada". Aqui é no caso de um sequestro. Recuperação total ou parcial do produto do crime.
 
ConJur — Dispositivos como esses são para ganhar manchetes?
Miguel Reale — É isso que estou dizendo, não se faz Código Penal com o jornalista à porta. A cada pérola produzida, punham na imprensa. Os notáveis não têm o menor conhecimento técnico-científico, o menor conhecimento jurídico. O que me espantou foi, na parte geral, encontrar isso. Confusões gravíssimas conceituais. Algumas coisas são mais técnicas. “A realização do fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza ofensa, potencial ou ofensiva.” Tem vários crimes que não têm ofensa potencial ou efetiva. Por exemplo: tráfico de drogas, não tem. Qual a ofensa potencial que o tráfico de drogas oferece a um determinado bem jurídico? Não tem. São chamados crimes de perigo abstrato, em que você presume que há um perigo em decorrência dele. Porte de entorpecentes, por exemplo. Porte de arma é crime grave hoje. Não tem nenhuma ofensa potencial ou efetiva. Porque é um crime de perigo abstrato, é um crime chamado de "de mera conduta". E hoje isso se repete. Em vários tipos de delito há a figura do crime de perigo abstrato. Quando fala do fato criminoso, você já está incluindo todos os crimes de perigo abstrato. Isso tem que ser comedido. Têm de ser limitados os crimes de perigo abstrato, mas com o novo texto, acaba-se com os crimes de perigo abstrato. Tem ainda uma frase que eu não consegui entender: “A omissão deve equivaler-se à causação”. Como ela mesma vai se equivaler? Não dá para entender. Tem outra coisa aqui: “o resultado exigido.” Exigido por quem?
 
ConJur — Seria o resultado obtido?
Miguel Reale — Claro! Resultado exigido? Por quem? O resultado exigido pela norma?
 
ConJur — O senhor havia falado da questão do dolo.
Miguel Reale — Isso. O artigo 18, inciso I, diz: “doloso, quando o agente quis realizar o tipo penal ou assumiu o risco de realizá-lo”. Eu quis o tipo penal? O tipo penal tem vários elementos constitutivos. É falta de conhecimento técnico no uso dos termos técnico-jurídicos. O tipo penal é um conceito da estrutura do crime, dogmático. Não se "quer o tipo penal", se quer a ação. O texto diz também que há um início de execução quando o autor realiza uma das condutas constitutivas do tipo ou, segundo seu plano delitivo, pratica atos imediatamente anteriores à realização do tipo. Se você não realizou, são os atos preparatórios que exponham a perigo o bem jurídico protegido. Isso é o samba do crioulo doido! Por isso que eu disse que o problema não é ser técnico, é ser compreensível e se ter um pouco de lógica, de fundamento, de conhecimento. São coisas que realmente me deixam extremamente preocupado.
 
ConJur — Pode melhorar no Congresso?
Miguel Reale — Não tem conserto. Os erros são de tamanha gravidade, de tamanha profundidade, que não tem mais como consertar. Eu sei que o Executivo não põe suas fichas nesse projeto. O projeto é realmente de envergonhar a ciência.
 
ConJur — O desinteresse do governo é aberto?
Miguel Reale — Não. Eu tive notícias de que o Executivo não teria interesse porque sabe dos comprometimentos, das ausências técnicas que estão presentes nesse projeto.
 
ConJur — Já lhe consultaram?
Miguel Reale — Não. E o membro mais importante que tinha nessa comissão, que tinha experiência legislativa, era um acadêmico. Era o professor Renê Dotti, que saiu dizendo que não tinha condições de permanecer ali do jeito que os trabalhos estavam sendo conduzidos.
 
ConJur — No seu ponto de vista, qual é o erro principal?
Miguel Reale — É você estabelecer uma punição, uma interferência do Direito Penal em fatos que devem ser enfrentados pelo processo educacional, processo de educação na escola, processo de educação na família, e não com a repressão penal.
 
ConJur — Tentar resolver todos os problemas com punição pode ser visto como reflexo do momento social em que vivemos?
Miguel Reale — Também. Imaginar que trazer punição do Direito Penal para resolver as coisas, que vamos dormir tranquilos porque o Direito Penal está resolvendo tudo. É a ausência dos controles informais, a escola, a igreja, a família, o sindicato, o clube, a associação do bairro, a vizinhança etc. São todas formas naturais, sociais, de controle social. Quando os controles informais já não atuam, se reforça o Direito Penal como salvação. Passa a ser o desaguador de todas as expectativas.
 
ConJur — Isso mostra uma hipertrofia do Estado?
Miguel Reale — Uma grande hipertrofia e uma fragilidade política e uma fragilidade social. Políticas de sociabilidade, políticas de agonia social. É um agigantamento do Direito Penal.
 
ConJur — Passamos também por um afã acusatório, ou seja, é mais importante fazer uma acusação do que se chegar a uma solução?
Miguel Reale — Sim. Isso passa um pouco pela dramatização da violência, pelo Direito Penal presente nos meios de comunicação diariamente, uma exacerbação. Ao mesmo tempo em que existe uma crença no Direito Penal, há uma descrença, porque se chega a um momento de grande decepção. Ao mesmo tempo em que depositam todas as fichas no Direito Penal, as pessoas dizem: “Mas ninguém vai ser punido” ou “só vão ser punidos os pequenos, e os grandes nomes vão se safar”. A pesquisa da Folha de S.Paulo sobre o mensalão é um exemplo. As pessoas acham que os réus são culpados, mas 73% acham que eles não serão punidos. Ou seja, é ao mesmo tempo ter o Direito Penal como único recurso, e saber que esse recurso não vai funcionar. Aí vem um grande desânimo que acaba, talvez, levando negativamente a uma grande permissividade.
 
ConJur — O nosso sistema penal está preparado para isso?
Miguel Reale — Não, inclusive com esse problema de não haver o livramento condicional. O que eu vejo é o seguinte: grande parte da população carcerária está presa por crime de roubo, violência, crime contra patrimônio, ou seja, roubo comum, roubo à mão armada, latrocínio e tráfico de drogas. Esses são os crimes, os núcleos que mais levam à prisão. A maior parte é por latrocínio e tráfico de drogas, que são crimes hediondos. Ser crime hediondo não levou a uma redução da incidência criminal. E os crimes de roubo, que crescem vertiginosamente, crime de roubo comum ou roubo à mão armada, ou mesmo, infelizmente, com mais gravidade, o latrocínio, cresceram vertiginosamente, pelo menos em São Paulo, e é um crime hediondo. Por que se dissemina? Porque existe uma grande impunidade. Essa impunidade vem do quê? Da falta de apuração dos fatos delituosos.
 
ConJur — Então o problema é da falta de polícia e não de lei?
Miguel Reale — Nem da falta de lei, nem da falta de polícia. É da falta de investigação. O percentual dos crimes de roubo cuja a natureza é descoberta é de apenas 2%. Então, se nós temos 500 mil presos a maioria desses presos é por roubo, imagina se você descobrisse dez vezes mais, ou 20%. Qual seria a população carcerária? Eu mesmo fui assaltado duas vezes e não registrei boletim de ocorrência. O problema todo é imaginar que a lei penal em abstrato tenha efeito intimidativo. O que tem efeito intimidativo é a lei quando é efetivada ou quando se mostra possível de efetivar. Vou dar um exemplo: se você está em um estrada e passa um carro no sentido contrário e dá um sinal de luz, você diminui a velocidade porque tem guarda rodoviário pela frente. Quando você passa o guarda rodoviário, você acelera. Quando você está na estrada e tem lá o radar, você diminui. Então o que é? É a presença efetiva, ou humana ou por via de instrumentos de controle.
 
ConJur — Neste ano, o Código Civil, cujo anteprojeto foi elaborado pelo seu pai, Miguel Reale, faz dez anos. Foi um projeto que demorou 25 anos para ser aprovado, aparentemente sem pressa.
Miguel Reale — E foi um trabalho imensamente meditado. Depois veio a Constituição Federal, daí houve 400 emendas oferecidas, um grande trabalho do relator no Senado, e meu pai respondeu as 400 emendas sozinho, à mão. Nós temos tudo isso feito à mão por ele, anotado. Eu guardo tudo isso em um instituto que nós temos.
 
ConJur — Quanta gente havia na comissão elaboradora?
Miguel Reale — Pouca gente. E o Código Civil está produzindo efeitos, tem novidades e contribuições importantes. Há erros, mas ao mesmo tempo foi reconhecido o imenso avanço que o Código Civil trouxe na consagração de valores importantes do Direito Civil, como a função social, como a sociabilidade. Um código voltado para um futuro aberto graças a normas que têm cláusulas abertas, cláusulas gerais. Foi um código muito pensado, muito meditado, meu pai discutia muito com outros professores, como o professor Moreira Alves, com quem trocava ideias, e havia troca de ideias no Congresso Nacional. Assim que se faz uma legislação de tamanha grandeza.
 
ConJur — O fato de o Direito mudar muito rápido não exige que se aprove uma lei antes que seja tarde demais?
Miguel Reale — Aí é que fica tarde demais, porque já nasce mal feito. Não se pode fazer uma legislação dessa maneira, de afogadilho. Aliás, tem coisas ali no projeto de reforma do Código Penal que são notáveis, como toda a questão da parte geral, que exige um profundo conhecimento da estrutura do crime, da dogmática penal. E já foi visto que não existe nem de longe o conhecimento técnico-jurídico penal na parte geral, que é a parte central.

Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2012
 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Projeto do novo Código Penal

Caros,
para aqueles que ainda não viram o Projeto do Novo Código Penal, o CP Sarney-Dipp, vejam ele aí. Semana que vem, comentários sobre...
Bom fim de semana,
 
Prof. Matzenbacher



Os nomes "inusitados" das operações policiais

Em homenagem a alguns Amigos!
E vamos combinar, sinceramente, vocês tem sim um cara só pra isso!


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Os nomes "inusitados" das operações policiais
 
Nos últimos dez anos, a Polícia Federal tem um aliado precioso para dar notoriedade às operações desencadeadas no País. Nomes cômicos e misteriosos, que “desenterraram” personagens e histórias mitológicas, passaram a ser uma marca nas ações da corporação. Apesar da frequente criatividade, a PF garante não contar com profissionais da área da publicidade para auxiliar o batizado. Oficialmente, cada delegado tem autonomia para definir o nome da ação.
Até 2007, no entanto, a PF contava com um entusiasta no assunto, especializado em dar alcunhas mitológicas às operações: o ex-diretor executivo do órgão, delegado Zulmar Pimentel. De acordo com informações de bastidores, Pimentel era um marketeiro informal que costumava aprovar e alterar os nomes, quando achava necessário.
Evangélico, o delegado é apaixonado por histórias bíblicas, utilizadas como inspiração para dezenas de trocadilhos relacionados aos crimes investigados. Há quatro anos, o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Pimentel foi afastado da PF ao ser um dos alvos da Operação Navalha, sob suspeitas de que estaria repassando informações sigilosas a colegas. Mesmo sem as dicas de Pimentel, o órgão buscou um nome criativo: a navalha fecha em si mesma e é feita para cortar quem a usa. Atualmente, o delegado é o titular da Secretaria de Segurança do Amazonas. A reportagem do Terra tentou contato com Pimentel, mas não obteve retorno.
Confira alguns dos nomes inusitados adotados nos últimos dois anos em operações dos federais.
 
Estêvão Pires

Para continuar lendo acesse: 
 
http://www.terra.com.br/noticias/infograficos/batismo-de-fogo/

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Por que a democracia precisa de Juízes garantistas?


*Por Alexandre Morais da Rosa. Professor Adjunto de Processo Penal da UFSC. Juiz de Direito. Membro da AJD, Doutor em Direito, e aparentemente humano, demasiadamente…
Alfred Hitchcock dizia que o terror se obtém com a surpresa, enquanto o suspense pelo aviso antecipado. O que se passa no campo do direito e do processo penal é um misto entre as diversas surpresas, que causam terror, antecedidas pelo aviso de que isto irá acontecer. O aviso de que isto irá acontecer está presente no discurso midiático do terror e se pode invocar a metáfora de filmes e livros, justamente para dar sentido ao que se passa.
O filme “Tubarão” contou com um recurso que o próprio Steven Spielberg não contava nas filmagens: o efeito suspense conseguido somente porque o terror da surpresa era precedido do suspense em que o predador apenas era sugerido, indicado, como se não estivesse presente. Consta no Wikipédia que “O principal atrativo do filme, o tubarão mecânico, apresentou vários problemas durante as filmagens, causados pela água salgada do mar, pois Spielberg não quis filmar em uma piscina, como seria o convencional. Várias sequências em que o Tubarão apareceria, Spielberg teve que substituí-lo por filmagens de marolas e movimentos de água. Mesmo nas poucas ocasiões em que o Tubarão podia ser usado, a responsável pela montagem teve que usar de muita habilidade, para que as cenas não parecessem falsas. As plateias do mundo todo não notaram essas falhas, graças ao exímio trabalho de direção e montagem. Mas para todos os artistas que trabalharam no filme ficou a irritação com aquele “maldito tubarão”, conforme diziam nas entrevistas e depoimentos posteriores.” Esse efeito semblant que o filme proporciona, a saber, de se estar com medo em qualquer lugar, pois o “Tubarão” poderia se fazer presente, do nada, no efeito surpresa, ocasionou o “suspense” de toda uma geração… Essa estrutura de se aproveitar de uma “surpresa” violenta para causar “suspense” e se usar ideologicamente, de fato, está presente na nossa película diária: a continuação incessante do medo!
Nesse sentido, o “crime-tubarão” é utilizado como mecanismo midiático da violência constitutiva do humano e, paradoxalmente tratado como se fosse uma surpresa no cotidiano, fomentado por uma realidade excludente, na qual o neoliberalismo se esgueira como financiador oculto desta economia criminal e obscena. A surpresa é, no caso, falsa, da ordem do semblant. Sabe-se, desde antes, que as possíveis variáveis do crime não decorrem, de regra, de um ato de terror individual, mas sim de toda uma coletividade que produz e se regozija com o crime. De qualquer modo, percebe-se que o destino de quem pretende sair desta metáfora é complicado, justamente porque as coordenadas culturais em que se está submerso reproduz o modelo da única possibilidade capaz de nos livrar do tubarão: matando-o! E se mata; muito. O sistema penal produz vítimas de todos os lados. Somente não percebe quem continua acreditando nos contos de mocinho e bandido. De um lado o mal, organizado para causar o desespero dos que se situam – imaginariamente e sem culpa – do lado do bem. O poder se organiza assim, especialmente no Direito Penal.
Acontece, entretanto, que diante do levante neoliberal e do agigantamento do sistema penal, as soluções processuais, diretamente: seus custos passaram a ser gigantescos. Daí que a partir de uma lógica do custo/benefício, as normas processuais precisaram ser mais eficientes. Importando-se as noções de tradições diversas, desprezando o giro que modo de pensar da filosofia pragmática exige, algumas novidades foram introduzidas no país, tudo sob o mote de matar o “tubarão”. Para isso a Justiça Criminal eficiente, com custos reduzidos, sem direito de defesa, parece a “demanda econômica” proposta, abolindo os limites garantistas do sistema penal.
Daí que se apegar ao “Garantismo Constitucional” de Luigi Ferrajoli é a busca de um limite ao “eficientismo” do processo penal. Articula garantias mínimas que devem, necessariamente, fazer barreira para se evitar que se negocie o “direito à liberdade” e a presunção de inocência. Defender direitos de acusados passou a ser uma atividade clandestina. Em nome do bem, dos bons e justos, divididos em dois lados, os enunciadores da salvação colocam-se na missão (quase divina) de defenestrar o mal na terra, transformando qualquer violador da ordem em “tubarão”, na luta por sua extinção.
Talvez se possa entender um pouco mais sobre os dilemas contemporâneos do processo penal eficiente quando se é acusado, a saber, ao se colocar na posição de acusado. Qual o juiz que se pretende ver julgando-nos? Se nós fossemos os juízes poderíamos dizer que seríamos garantistas? Ou a garantia somente interessa quando formos acusados? O que não se pode é continuar aceitando as “novidades” legislativas sem uma profunda reflexão de qual é o nosso papel, nem os efeitos que nossas posições podem engendrar no coletivo. Os limites democráticos precisam ser recompostos. O “tubarão” já foi preso, morto, esquartejado, mas sempre surge o medo de que ele retorne, não porque o quer, mas porque o “tubarão” habita o mais íntimo do humano. Surpresa? Medo? Angústia? Tudo humano, demasiadamente humano, diria Nietzsche. Mais dia menos dia todos precisaremos de juízes garantistas… basta conseguir ficar vivo.
Fonte: BLOG DIREITO E CINEMA www.heloisaquaresma.blogspot.com
http://www.heloisaquaresma.blogspot.com.br/2012/10/alexandre-morais-da-rosa.html