quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A ficha limpa, as vassouras e o empate do senso comum (comum)



Caros,

hoje está aprazado o julgamento da (in)constitucionalidade da LC 135/2010, a famigerada “Lei da Ficha Limpa”. Já escrevi sobre essa ira dromocrática no ano passado, e reafirmo tudo o que escrevi naquela oportunidade. Quem quiser ler para lembrar ou conhecer, acesse aqui: http://profmatzenbacher.blogspot.com/2010/09/lc-1352010-tirania-dromocratica.html

Enfim, hoje cedo, vendo as notícias no G1, me deparei com uma manifestação pacífica (10 vassouras fincadas nas areias de Copacabana). Acesse aqui a notícia: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/11/08/julgamento-sobre-constitucionalidade-da-lei-da-ficha-limpa-nesta-quarta-feira-ainda-incerto-925757374.asp Não me agüentei em ficar calado, e me obriguei a tecer alguns comentários sobre o "caso". Não vou entrar na discussão dogmática da lei e suas inconstitucionalidades técnicas, mas traçar algumas linhas sobre esse julgamento e a implacável flecha do tempo é necessário. Enfim...

Fico muito preocupado quando ativistas de plantão, buscando seus 15 minutos de fama em rede midiática nacional, resolvem usar togas para demonstrar que os Ministros do Pretório Excelso representam o povo. Bah! Essa é a hora em que a angústia corre fervendo em minhas veias, quando noto que uma (ir)racionalidade simplista como essa está sendo usada como argumento (de autoridade) para querer que aqueles que não são eleitos pelo sufrágio universal e igualitário, representam a efetividade dos anseios do povo contra os direitos e garantias do próprio povo. Olvida-se quem forma o povo. Quem origina a Democracia. Quem funda o Estado de Direito.

Sim, a idéia da LC 135/2010 é louvável, e sempre o ponto que questionei é a forma de aplicação dessa lei, feita a toque de caixa para aplicação imediata em processo eleitoral que vilipendia direitos civis tão árdua e duramente conquistados (até aqui no Brasil viu?! A ditadura militar até anteontem estava nas ruas para quem não lembra).

A fala maniqueísta e a discussão (estéril) entre prevalência do interesse público sobre o interesse privado numa Democracia não ganha (se se trata de vencer) dos ditames constitucionais. A Constituição, conforme ensina o Lenio, CONSTITUI-A-AÇÃO. Ou seja, funda a ação e o agir democráticos. E é somente assegurando o direito de cada um dos indivíduos que formam a sociedade, que por sua vez forma o Estado, que será possível ensejar eficácia aos direitos e efetividade às garantias de todos e de qualquer um. ISSO É DEMOCRACIA. E aqui o flerte com o totalitarismo não tem espaço. Ou melhor, não deve ter espaço, sob pena de termos que começar a estocar comida em casa (Lenio) ao sair nas ruas com a barbárie estatal institucionalizada.

Mas...

Se o povo quer o linchamento do casal Nardoni: vamos linchá-los!

Se o povo é contra a união homoafetiva: vamos proibi-la!

Se o povo quer professar o budismo: vamos instituí-lo!

Se o povo quer a pena de morte: vamos aplicá-la!

Se o povo quer prisão: vamos encarceirizar mais e mais!

Se o povo quer inquisição: vamos admitir processo penal sem garantias!

Se o povo quer o exército nos morros do Rio de Janeiro: que o capitão Nascimento o lidere com o BOPE!

E assim caminha a humanidade, sempre pensando que os problemas sociais e estatais serão resolvidos com a "lei" ou com a "força". Ledo engano.

É isso o que ocorre: o governo como um todo (executivo e legislativo), dá, pela mídia (a única realidade que existe, pois criada no inconsciente coletivo – Eduardo Galeano + C.G. Jung), aquilo que o povo quer enquanto continuam entupindo suas próprias cuecas de dólares, mantendo contas fantasmas no exterior, usando laranjas para contratação de empresas ilegais em licitações, desviando dinheiro público da saúde e da educação, o que poderia melhorar nossa condição de Democracia não apenas nos ranking’s da ONU, mas efetivamente enquanto Povo e Estado civilizado(s). É a notória política "pão e circo".

A incerteza não é compatível com a (con)vivência em um Estado Democrático de Direito. Mas, enquanto o senso comum não entender o que significa um ESTADO-DEMOCRÁTICO-DE-DIREITO, seja pela ignorância, seja pela deficiência escolar em ensinar Direitos Humanos e noções básicas de Direito desde o início da formação intelectual de cada um dos estudantes, seja porque nunca leram o artigo 1º da Constituição Federal ou sequer sabem o que é uma Constituição Federal, continuaremos nesse mundo tupiniquim pensando de maneira tupiniquim em que o Macunaíma é “o cara”. Não importa quantos holofotes estejam virados para o Brasil, continuaremos na escuridão da democracia e nos raios autoritários.

E o que me indigna mais ainda, é o apoio incontestável pela aplicação e pela constitucionalidade da lei daquelas pessoas que passaram por bancos escolares em Cursos de Direito pelo Brasil afora. E mais, o apoio, lastimável, da OAB na luta pela limpeza (étnica) na política a qualquer custo. Ano passado a discussão foi sobre o princípio da anualidade, sendo que após um empate (a)histórico o ministro Fux, com a lucidez que lhe é peculiar, pela falta de coragem do Presidente da Corte (que muito tem me decepcionado enquanto administrador da Alta Corte), ensejou eficácia ao direito sobre o impedimento de mudança nas regras do jogo após o início do processo eleitoral.

Depois dessa decisão, quantos candidatos com votação compatível para serem eleitos assumiram seus mandatos eletivos por decisões do STF e do próprio TSE, assegurando-se assim a soberania popular? Usurpada no ano passado em razão da algaravia que foi a votação sobre o princípio da anualidade, liderados pelo déspota do Lewandowski enquanto presidente do TSE que quis fazer o mesmo no Plenário do STF? Não quero uma Democracia às avessas. Quero uma Democracia séria em que que eu possa saber antes quais serão as consequências dos meus atos. Qualquer país, minimamente sério, dá esse direito aos seus cidadãos sem contestação.

Especificamente sobre hoje, não se está querendo julgar uma matéria tão importante no calor da hora novamente? Baseado num caráter de urgência em razão do processo eleitoral do 2012 que se inicia e estamos a menos de um ano do pleito eleitoral municipal? Não aprendemos ainda que o Poder Judiciário deve ser o garantidor de direitos, necessitando de tempo para maturar suas decisões? Justamente para não cair na armadilha (política e midiática) de que o melhor a fazer é seguir os anseios sociais?

Questiono: a história já não provou por fatos passados (e também matematicamente) que os fins não justificam os meios? Que decisões políticas baseadas no afã de uma “vontade popular” são sempre despóticas e autoritárias?

Certo sábio uma vez, que não me lembro quem é agora, disse algo mais ou menos assim (e aprendi isso com um português naturalizado brasileiro que tenho em boa estima): "burro é aquele que faz, erra, e quando chega a possibilidade de fazer diferente, faz da mesma maneira que a anterior, ou seja, não aprende. Inteligente é aquele que faz, erra, e quando chega a possibilidade de fazer diferente, lembra-se do erro anterior e opta por outro caminho, arriscando o novo. E sábio é aquele que aprende com o erro dos outros".

Pois estamos passando novamente pela encruzilhada da nossa (i)maturidade intelectual-política-social. Como já trouxe no ano passado as palavras da Regina Duarte, “tenho medo”. Não sei qual é a expectativa para o julgamento de hoje, se o minstro Peluso irá ou não adiar o julgamento, mas entendo que levar a votação com a composição como está, com 10 ministros, é temerário, ainda mais para julgar a (in)constitucionalidade da LC 135/2010, onde terá, mais uma oportunidade de mostrar que é sim uma Corte Constitucional, e não um(a) corte político(a) que fará o que a “vontade popular” deseja, ou que é publicado a título de vontade popular. Lembrem-se vocês que é a soberania popular que outorga os mandatos eletivos através do voto. DO VOTO.

Então, numa Democracia, entre a incerteza para um próximo processo eleitoral e uma certeza inventada (pois vilipendiadora de direitos fundamentais), prefiro o risco da incerteza e a garantia da maturidade (constitucional) de uma decisão jurídica (conforme a Carta Maior). Ainda que para isso, o Supremo vá de encontro aos anseios sociais, pois como (nos) ensina um certo Professor, “numa Democracia, até o povo deve obediência à Constituição”.