terça-feira, 10 de maio de 2011

A laicidade de Themis e a união homoafetiva


Caros,
na última quinta-feira, 05/05, por unanimidade, o Pretório Excelso, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, reconheceu a entidade familiar existente entre pessoas do mesmo sexo garantindo os direitos decorrentes da união estável. Trata-se de uma decisão, verdadeiramente, democrática, onde Themis (laica) mostrou serenidade (para interpretar a Constituição), força (ao determinar efeito vinculante) e coragem (garantir-se como Corte Constitucional) ao consolidar a igualdade, ensejando eficácia ao preceito fundamental da dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais correlatos. 
Abaixo, um artigo do Juiz Fedaral ROGER RAUPP RIOS (TRF4), sobre a questão. Aproveito o ensejo para parabenizá-lo, já que sempre se mostrou um Magistrado digno e preocupado com a força normativa da Constituição da República.

Prof. Matzenbacher


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A UNIÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL

O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que a união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo constitui entidade familiar, como união estável (Código Civil, art. 1273). Pergunta-se: (1) Qual o significado desta decisão? (2) Qual a repercussão para outras áreas? (3) O STF legislou, atropelando o Congresso Nacional? (4) Quais as conseqüências práticas da decisão?

(1) O significado é inestimável para a consolidação da democracia e dos direitos fundamentais. Afirmaram-se direitos básicos, a todos reconhecidos, como a liberdade sexual, a proibição de discriminação sexual, a privacidade, a intimidade, o respeito à dignidade da pessoa humana, a diversidade e o pluralismo. A afirmação quanto à existência e às conseqüências destes direitos, especialmente na esfera da sexualidade, onde minorias sexuais são discriminadas, deixa claro o dever de respeito e a dignidade constitucional de que são merecedores homossexuais. Isto ainda que eventuais maiorias, por sondagens de opinião ou por representantes eleitos, tentem impor seus preconceitos.

(2) A repercussão se dá em vários campos. A partir do incontestável dever de respeito às minorias sexuais e da relevância dos direitos sexuais, ficam superadas posturas que tentam justificar discriminações no trabalho, na educação, na saúde e nas mais diversas relações sociais. Fica clara a urgência e a necessidade de medidas antidiscriminatórias, como a criminalização da homofobia. Ganha-se certeza sobre muitos temas, como por exemplo a possibilidade de postulação de adoção conjunta por pessoas do mesmo sexo em união estável. Abrem-se caminhos para levar a igualdade mais a sério, inclusive no direito de família, com o reconhecimento do direito ao casamento, como fez a Corte Constitucional da África do Sul.

(3) O STF não legislou. Ele aplicou a própria Constituição, que já protege a todos de discriminação sexual, especialmente aqueles objeto de preconceito. Outros direitos também foram aplicados, especialmente a liberdade sexual e o respeito à dignidade humana. Daí a conclusão de que excluir as uniões homossexuais é restrição indevida, contra a Constituição, deixando claro que o parágrafo 3º do art. 226 da CF/88 não torna a união estável exclusiva para heterossexuais.

(4) As conseqüências são práticas e efetivas. Todos os juízes brasileiros estão vinculados à decisão, não podendo mais rejeitar a união estável pelo fato de serem pessoas do mesmo sexo. Vários direitos daí decorrem, tais como: inclusão em planos de saúde, previdência, associação como dependente em clubes e sociedades, dever de alimentos em caso de necessidade, divisão de bens adquiridos na constância da união, direito à herança, usufruto dos bens do falecido e acompanhamento de parceiro em instituições hospitalares. Sabedores desta posição judicial, os particulares não mais poderão justificar tratamento prejudicial ao prestarem serviços ao público, muito menos sustentar

Para concluir: o STF cumpriu sua missão constitucional de fazer valer os direitos fundamentais de liberdade, de igualdade, de dignidade humana, de privacidade, de intimidade e de proteção às comunidades familiares, afirmando por dez votos a zero que homossexuais podem constituir união estável.

Roger Raupp Rios, Juiz Federal, Doutor em Direito (UFRGS), Professor do Mestrado em Direitos Humanos (UNIRITTER).