segunda-feira, 4 de outubro de 2010

STF - 1a Turma reconhece continuidade delitiva para o crime de estupro

Caros,
foi disponibilizado no dia 17/09/2010, o primeiro acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, analisando a (im)possibilidade de reconhecimento de continuidade delitiva no crime de estupro, após o advento da Lei 12.015/2009. Peço escusas na demora em disponibilizar a decisão que tanto comentei, mas os tempos estavam "conturbados" nessa época eleitoral até o 1o. turno.
Conforme já dito aqui no BLOG anteriormente, a 5a Turma do STJ havia entendido pela impossibilidade de reconhecer a continuidade delitiva no crime de estupro de acordo com o tipo único do artigo 213/CP (com a nova redação dada pela Lei 12.015/2009), devendo-se aplicar a regra do concurso material (artigo 69/CP), diante da prática de conjunção carnal + outros atos libidinosos (p.ex.: coito anal, sexo oral). Desde a primeira decisão nesse sentido, em meados de abril desse ano, já havia criticado a fundamentação, por ser extremamente reducionista e positivista, olvidando-se do fundamento principal. A situação se agravou, quando em junho, a 6a Turma do STJ reconheceu a continuidade delitiva para o crime de estupro, quando praticado em mais de uma ação nuclear do tipo penal do artigo 213/CP. Na 6a Turma, entenderam os Ministros que deveria ser aplicada a regra do artigo 71/CP (continuidade delitiva), pois concede tratamento mais benéfico ao réu/condenado, e, por ser lex mitior, retroage para beneficiar nos termos do artigo 5, inciso XL, da Constituição Federal.
Pois bem, em 10/08/2010, a 1a Turma do STF teve a primeira oportunidade de se manifestar sobre a matéria, e o resultado é o julgamento do HC 96818, cujo acórdão segue abaixo. Na mesma linha de entendimento da 6a Turma do STJ, a 1a Turma aplicou o tratamento mais benéfico para o réu/condenado, reconhecendo a continuidade delitiva. O precedente é extretamente perigiso. A um, porque, embora seja um caso isolado (já retirado no julgamento do HC 103353, em 28/09/2010, ainda sem publicação do acórdão), todas as condenações por concurso material entre os antigos crimes de estupro e atentado violento ao pudor (arts. 213 + 214 do Código Penal) podem pedir recálculo da pena diretamente para o Juiz da Execução, nos termos da Súmula 611/STF. A dois, porque o legislador penal ao colocar todas a prática libidinosa, mediante violência ou grave ameaça em um único tipo penal, retira a proteção da dignidade sexual, principalmente das mulheres. Antes da Lei 12.015/2009, o entendimento do Pretório Excelso era pacífico (pela 1a e 2a Turmas, e Plenário) de que não cabia reconhecimento de continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Contudo, esse novo entendimento, a situação muda de figura. Ressalto que essa decisão também é extretamente positivista, embora fundamentada em garantia fundamental-constitucional para o réu/condenado. Isso porque, protege de maneira deficiente a dignidade sexual, deixando ao livre arbítrio do julgador o reconhecimento de concurso material ou continuidade delitiva. O legislador "ordinário" retirou a proteção de um bem jurídico-penal fundamental, do qual não poderia. Ressalto que, como está a atual redação do artigo 213/CP, também é possível continuar com o reconhecimento do concurso material (artigo 69/CP), conforme entendeu a 5a Turma do STJ. Contudo, o fundamento constitucuional deve ser utilizado enfretando a "dupla face do princípio da proporcionalidade", ou seja: de um lado a "proibição do excesso" e de outro a "proibição de proteção deficiente".
Esperamos que o Plenário do Pretório Excelso, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, defenda a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 em sua íntegra, utilizando uma interpretação harmônica que respeite os direitos e garantias fundamentais, considerando a tríplice relação axiológica entre a Carta Política e o Legislador (Penal) Ordinário. Se bem que, se depender das decisões dessas últimas duas semanas do STF, segue uma advertência para as mulheres: usem "cinto de castidade", que estarão mais bem protegidas.
Ao debate,

Prof. Matzenbacher

PS: Para quem se interessar pela dupla face do princípio da proporcionalidade, recomendo seriamente a leitura do livro do Amigo e Prof. Dr. Luciano Feldens, "A Constituição Penal" (2005, Livraria do Advogado, Porto Alegre - RS).