segunda-feira, 30 de agosto de 2010

STJ - Excesso de linguagem na pronúncia.


Caros,
ainda durante o recesso acadêmico, recebi a decisão abaixo do orientando e pesquisador Paulo Serpa. Contudo, não disponiblizei aqui no BLOG antes, em razão das férias, da volta às aulas, da correria do dia-a-dia, enfim: hoje a coloco!
Leiam a decisão abaixo, e após, a notícia veiculada hoje no site do STJ sobre tal matéria, chamando a atenção para o fato de mais de 20.000 acessos nessa decisão, revelando a necessidade de discutir a matéria e enfrentá-la com prudência e exaustão à luz da Constituição Federal.
Aos acadêmicos de Direito Processual Penal III (Turma D23), vejam o acórdão que comentei na segunda aula, quando revisamos as garantias fundamentais do processo penal, ao definirmos o processo penal para quê(m).
Boa noite!

Prof. Matzenbacher



Conheça o posicionamento do STJ sobre o excesso de linguagem do juiz

Excesso: aquilo que sobra, que é exagerado, desnecessário. Nos diversos dicionários da Língua Portuguesa, a definição para a palavra é encontrada de forma precisa. Entretanto, na prática jurídica, o conceito pode não ser tão simples de classificar. Atualmente, é rotineiro discutir o excesso de formalismo na linguagem do Direito. Com o movimento crescente de aproximação Judiciário-sociedade, a procura de um discurso jurídico mais acessível ao cidadão tornou-se um objetivo a alcançar. Mas quando se questiona o excesso de linguagem do juiz ao redigir uma sentença de pronúncia? O que seria excessivo?

De acordo com os juristas, na sentença de pronúncia é crucial o uso de linguagem moderada. Não pode o juiz aprofundar o exame da prova a fim de que não influencie os Jurados que são os únicos Juízes do mérito. Assim, quando existem duas versões no processo, o juiz deve apenas mencioná-las, sem emitir qualquer juízo sobre a veracidade deste ou daquele fato. Também não cabe ao juiz analisar a idoneidade de testemunhas.

A posição do magistrado no processo deve ser neutra. Assim, em processos da competência do Tribunal do Júri, a sentença de pronúncia deve ser cuidadosa, para que os jurados não possam inferir nenhum juízo de valor. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tema do excesso de linguagem voltou ao debate em um pedido de habeas corpus julgado na Quinta Turma. O caso envolve um acusado de homicídio que obteve a anulação da sentença de pronúncia, uma decisão pouco comum na Casa. A matéria postada no site do Tribunal teve grande repercussão, com mais de 20 mil acessos em julho, mês de recesso forense. Uma demonstração de que a discussão é importante para o meio jurídico e para a sociedade.

No recurso de relatoria do ministro Jorge Mussi, a defesa de Valmir Gonçalves alegou que a forma como a sentença do juiz de primeiro grau foi redigida poderia influenciar negativamente o Tribunal do Júri. Os advogados argumentaram que a decisão singular continha juízo de valor capaz de influenciar os jurados contra o réu.

O ministro acolheu a tese em favor da defesa e anulou a decisão de pronúncia com base na lei que permite aos jurados acesso aos autos e, consequentemente, à sentença de pronúncia. “Nesse caso, é mais um fator para que a decisão do juízo singular seja redigida em termos sóbrios e técnicos, sem excessos, para que não se corra o risco de influenciar o ânimo do tribunal popular”, concluiu Mussi.

Em um artigo sobre o tema do excesso de linguagem, o doutor em Direito Penal Luiz Flávio Gomes comentou esta decisão do STJ: “A Constituição expressamente impõe ao Tribunal do Júri (formado por jurados leigos) a competência, com soberania dos veredictos, para o julgamento dos crimes contra a vida. Portanto, na análise dos fatos e das condições em que eles ocorreram, o juiz da primeira fase, bem como o juiz presidente, não devem fazer qualquer apreciação. No momento de pronunciar o réu, ele apenas faz um juízo de admissibilidade de provas sobre a materialidade e indícios de autoria, mas juízo de valor e de reprovação, cabe aos jurados. Desse contexto se conclui que o juiz togado deve se portar de maneira que, com suas decisões ou comportamentos no Plenário, não influencie os juízes naturais, que são leigos”.
Para o magistrado, a decisão da Quinta Turma, determinando a elaboração de uma nova sentença de pronúncia, reconheceu a chamada “eloquência acusatória” do magistrado na linguagem empregada na sentença. “É importante observar que o contexto desta decisão do STJ exige uma postura isenta e mais imparcial do juiz. A imposição não advém porque o ordenamento jurídico queira que um julgador deixe de lado suas pré-compreensões de maneira a se tornar um sentenciante isento de qualquer análise humanística e meritória (simplesmente porque juízes não são máquinas). É que no âmbito do Tribunal do Júri essa análise não é de sua competência, mas dos jurados. Daí a anulação da decisão. Tudo em conformidade com a Lei Maior. A “eloquência acusatória” não está autorizada ao juiz. O sistema acusatório dividiu bem as funções de cada um: o Ministério Público acusa, o advogado defende e o juiz julga. Não cabe ao juiz cumprir o papel de acusador”, finalizou o jurista.

Nova redação da Lei, polêmica à vista

A reforma do Código de Processo Penal (CPP), precisamente a Lei nº 11.689 de 2008, abriu caminho para que o tema do excesso de linguagem ganhe, cada vez mais, espaço para ser debatido no Tribunal da Cidadania. Essa lei alterou o procedimento relativo aos crimes dolosos contra vida. O antigo parágrafo 1.º do art. 408 passou a ter a seguinte redação: "Art. 413. (...) § 1.º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria e participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena".

A razão de ser desse dispositivo foi evitar que a pronúncia se transformasse em peça de acusação, pois a indicação da certeza de autoria poderia influenciar o Conselho de Sentença. Todavia, o entendimento sobre as alegações de excesso de linguagem do juiz não são unânimes. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que não haveria mais interesse de agir em recurso contra decisão de pronúncia por excesso de linguagem, sob o argumento de que, com a reforma da lei, não existiria mais a possibilidade de leitura da sentença de pronúncia quando dos trabalhos no Plenário do Júri.

Entretanto, o artigo 480 do CPP acena para a possibilidade de os jurados efetivamente lerem a pronúncia. Caso algum deles não se sinta habilitado para proferir o veredicto, poderá ter vista dos autos, desde que a solicitem ao juiz presidente. Portanto, o novo sistema não impediu o contato dos jurados com a decisão de pronúncia. Ao contrário, ainda permanece a necessidade de utilização, pelo juiz togado, de um discurso sóbrio e comedido. Por isso, o STJ segue analisando a questão do excesso de linguagem nos recursos que recebe, mesmo após as inovações introduzidas pela Lei 11.689/08.

Um argumento, muitos casos

Levando em conta todas essas nuances, uma decisão monocrática do ministro Nilson Naves concedeu, em parte, uma liminar para desmembrar o processo contra o traficante Fernandinho Beira-Mar. O ministro reconheceu que houve excesso de linguagem no acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), que fez uso de expressões linguísticas que poderiam vir a influenciar os jurados. Em função disso, determinou que o documento fosse desmembrado dos autos da ação penal e colocado em envelope lacrado, “sendo vedada sua utilização no júri”. Foi a solução que Naves encontrou para não suspender o julgamento do réu. “Ao invés de suspender o júri marcado há tempo, como pretendia a defesa, creio que o melhor seja vedar a leitura de tal peça em plenário, de forma a evitar possível nulidade do julgamento”.

Mas nem sempre a tese do excesso de linguagem é acolhida. Em março desse ano, a Quinta Turma do STJ negou um pedido de habeas corpus em favor do empresário Daniel Dantas para afastar o juiz Fausto Martin de Sanctis do processo. A defesa de Dantas argumentou que haveria suspeição contra o juiz de Sanctis porque ele estaria vinculado emocionalmente ao caso e, também, excesso de linguagem dele ao redigir a sentença, que fez um juízo depreciativo sobre o réu. Todavia, o ministro Arnaldo Esteves Lima não acolheu o pedido, ressaltando que não encontrou dúvidas em relação à imparcialidade do magistrado suficientes para justificar a suspeição.

Também foi da Quinta Turma a decisão que negou o pedido de habeas corpus em favor do assassino de três garotas condenado à pena de 75 anos de prisão. A defesa de Antônio Carlos Faria alegou nulidade da pronúncia em razão de excesso de linguagem, mas a Turma, com base no voto da ministra Laurita Vaz, manteve a sentença condenatória.

Em outro habeas corpus, o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, manteve a data de julgamento pelo Tribunal do Júri de uma jovem acusada de matar a mãe adotiva. Em sua defesa, ela alegou excesso de linguagem na sentença de pronúncia no que se referia à autoria do crime e à qualificadora. Todavia, Asfor Rocha não encontrou ilegalidade na decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), que já havia indeferido o pedido em favor da ré.

Os ministros da Sexta Turma negaram um pedido de habeas corpus em favor de Éder Douglas Santana Macedo. Ele é acusado de matar pai e filho no aeroporto internacional de Brasília, um crime que chocou a cidade. No recurso julgado pelo STJ, a defesa sustentou que as qualificadoras do homicídio não estariam adequadamente fundamentadas, pois teria havido excesso de linguagem. Porém, o relator do processo, ministro Og Fernandes, não viu excesso de linguagem na acusação contra Éder, uma vez que o documento se baseou exclusivamente nos autos e ficou dentro dos limites da normalidade.

Outro caso que mobilizou o país também foi analisado sob o prisma da inadequação da linguagem utilizada pelo juiz. Os advogados do casal Nardoni recorreram ao STJ com um pedido de habeas corpus contestando a decisão de primeiro grau que decretou a prisão preventiva e o acolhimento da denúncia contra os réus. A defesa alegou excesso de linguagem, criticou o laudo pericial e o trabalho de investigação da polícia. Mas a Quinta Turma negou o pedido e o casal acabou condenado pelo Tribunal do Júri.

A defesa de um médico acusado de matar a esposa, que pretendia se separar dele, também apelou ao STJ pedindo a anulação da decisão de pronúncia fazendo uso da tese do excesso de linguagem, que evidenciaria a parcialidade do julgador. Contudo o relator do habeas corpus, ministro Felix Fischer, afirmou que a decisão apenas indicou os elementos acerca da existência do crime e os indícios de autoria por parte do médico, não estabelecendo antecipadamente um juízo condenatório em desfavor do réu.

O policial militar Jair Augusto do Carmo Júnior não conseguiu suspender a aça penal instaurada contra ele, com o objetivo de evitar a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri pelo assassinato da namorada. O então presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, indeferiu a liminar na qual se alegava que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) possuía excesso de linguagem, pois, de forma analítica, expôs as provas dos autos, o que seria capaz de influenciar os jurados. O ministro não concedeu o habeas corpus, ressaltando que o acórdão do TJSP “somente explicitou os motivos que levaram ao convencimento quanto à necessidade da realização de novo julgamento do paciente, não tendo o poder de influenciar o ânimo dos jurados”.

Muito embora o STF, em recente julgado de 2009 (HC 96.123/SP, Rel. Min. Carlos Brito), tenha entendido que a nova lei impossibilita as partes de fazer referências à sentença de pronúncia durante os debates, eliminando o interesse de agir das impetrações que alegassem excesso de linguagem, existe a norma do novo art. 480 do CPP, permitindo aos jurados a oportunidade de examinar os autos logo após encerrados os debates, o que, em tese, justificaria tal interesse. Ou seja, o Tribunal da Cidadania provavelmente ainda vai se deparar com muitos pedidos de habeas corpus relativos ao tema para apreciar. A polêmica continua.

Fonte: STJ (acesso em 30/08/2010)

Revista Sistema Penal e Violência - 2a. edição

Caros,
recebi o e-mail do Rodrigo e compartilho com vocês, divulgando a revista e indicando, desde já, a leitura do artigo do Prof. Rui Cunha Martins (Estado de Direito, Evidência e Processo: incompatibilidades electivas).
Aos Pesquisadores do nosso Grupo de Pesquisa, indico também a leitura do artigo do Salah, sobre a origem do direito de ação e da "libertação" do Direito Processual Penal, pois já discutimos isso nos primeiros encontros.
Boa leitura!



Escrevo para comunicar-lhes que já se encontra online a segunda edição da Revista Sistema Penal & Violência, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS. Esta edição, organizada pelos professores Paulo Vinicius Sporleder de Souza, Fábio D'Ávila e Nereu José Giacomolli, reúne artigos que contemplam o debate realizado na linha de pesquisa em Sistemas Jurídico-Penais Contemporâneos. O sumário se encontra em anexo, e o acesso à página da Revista pode ser feito pelo endereço http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/index


Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo
PPG em Ciências Criminais e PPG em Ciências Sociais
Coord. Esp. Segurança Pública e Justiça Criminal
Editor da Revista Sistema Penal & Violência
PUCRS  


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Como não fazer razões recursais


Caros,
no cotidiano forense se vivencia cada "coisa" (literalmete) !
Agora questiono: a Súmula 523/STF (No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas, a sua deficiência só o anulará se houver prova do prejuízo para o réu) deve ser aplicada???
























É óbvio que não! A súmula deve ser rechaçada por violação da garantia do contraditório e da ampla defesa. A defesa técnica é indispensável! E aqui, no caso, a deficiência equivale a negação da própria defesa, caracterizando nulidade absoluta, caso o Magistrado não mandar intimar o réu para constituir outro Defensor (pasmem, é constituído), ou nomear-lhe Defensor Dativo, para oferecimento das razões recursais.
A ampla defesa resta também caracterizada pelo duplo grau de jurisdição, e aqui, se trata da "peça" (nem se pode chamar de "razões recursais") objetivando convencer os Desembargadores a alterar a sentença condenatória proferida pelo Juiz de 1º Grau. Lembrando Pontes de Miranda: "Defeito não é falta. O que falta não foi feito. O que foi feito, mas tem defeito, existe. O que não foi feito não existe e, pois, não pode ter defeito. O que foi feito, para que falte, há, primeiro, de ser refeito". Acadêmicos de Direito Processual Penal III e Pesquisadores do Grupo de Pesquisa, ATENÇÃO!!!
Boa noite,

Prof. Matzenbacher


PS: M, obrigado por compartilhar!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

STF - 1ª Turma cassa condenação com base em depoimento na fase de inquérito

Caros,
infelizmente, o acórdão ainda não está disponível. Mas ficarei atento, esperando a disponiblização do aresto para publicar, com gosto, aqui no BLOG. Para que serve o inquérito policial mesmo??? Bola dentro STF!!!

Prof. Matzenbacher


1ª Turma cassa condenação com base em depoimento na fase de inquérito

Por maioria de votos, os ministros presentes à sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) desta terça-feira (24) concederam um Habeas Corpus (HC 96356) para J.C.M.B., que foi condenado no Rio Grande do Sul por latrocínio, apenas com base em depoimentos prestados na fase de inquérito policial. Com a decisão, os ministros cassaram a condenação imposta a J.C., e restabeleceram a decisão do juiz de primeira instância, que absolveu o acusado.

J.C. foi absolvido em primeira instância, mas condenado pelo Tribunal de Justiça gaúcho (TJ-RS) em sede de apelação do Ministério Público estadual. A defesa recorreu do acórdão do TJ-RS ao Superior Tribunal de Justiça e, depois de ter o pedido negado na corte superior, impetrou HC no Supremo.

Turma

O julgamento começou no início de agosto, quando o relator do caso, ministro Marco Aurélio, votou pela concessão da ordem. Para ele, o caso era emblemático. “Não se trata de valorar depoimentos prestados durante o inquérito e a posterior retratação em juízo. Busca-se saber se depoimentos colhidos durante o inquérito sem o contraditório, refutados por sinal em juízo, servem ou não à condenação”, explicou o ministro.

Sobre o tema, o ministro disse que o STF vem reiteradamente proclamado que “o que coligido na fase de inquérito não serve a respaldar decisão condenatória”. Dessa forma, seria indispensável a demonstração da culpa em juízo, sob o ângulo do contraditório, disse o ministro ao votar pelo deferimento do HC.

Na ocasião, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que na sessão de hoje proferiu seu voto-vista. Ao decidir acompanhar o relator, o ministro Toffoli revelou que não encontrou nenhuma outra prova ou elemento a fundamentar a condenação, apenas os depoimentos colhidos na fase de inquérito, e que esses depoimentos não foram submetidos ao contraditório.

Apenas o ministro Ricardo Lewandowski divergiu do relator

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

TJRS - Sentença de 1º grau. Função do órgão acusatório. Provas.


Caros,
há uns dias atrás, quando do início do semestre, recebi da Renata (Almeida da Costa) essa decisão de 1º Grau. Hoje, aproveito para compartilhá-la com vocês, questionando o seguinte: qual é a função do MP no processo penal? Que espécie de gestão da prova temos (e queremos efetivamente) no processo penal brasileiro? Qual é a função da prova no processo penal? Reflitam sobre esses questionamentos enquanto leem a sentença abaixo.
Parabéns a Juíza Annie Kier Herynkopf (com "J" maiúsculo) pela prolação dessa sentença, que não apenas teve a coragem de assentar os fundamentos no aresto, como agiu constitucionalmente. Saudações!
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher

PS: "responsabilidade por condenações frustradas não é do Judiciário, mas do MP que não atua nos processos". Cada um com seu cada qual... 


COMARCA DE GUAPORÉ
1ª VARA JUDICIAL
Rua Gino Morassutti, 1040

_________________________
Nº de Ordem:
Processo nº: 053/2.08.0000936-4
Natureza: Crimes contra a liberdade sexual e contra o patrimônio
Autor: Justiça Pública
Autor do Fato: Pedro Ferreira dos Santos
Juiz Prolator: Juíza de Direito – Dra. Annie Kier Herynkopf
Data: 29/01/2010

Vistos etc.

O Ministério Público, com base nas informações do Inquérito Policial n° 1041/2007/150823/A oriundo da Delegacia de Polícia de Guaporé/RS, ofereceu denúncia contra Pedro Ferreira dos Santos, brasileiro, solteiro, industriário, com 30 anos de idade, natural de Arvorezinha/RS, filho de João Maria Alves dos Santos e de Dalva Maria Ferreira dos Santos, residente e domiciliado na Quadra D, nº 19, bairro Promorar, em Guaporé/RS, por infração ao art. 157, caput, na forma do art. 14, II, e art. 214, na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal.

Narra a denúncia a prática dos seguintes fatos:

1º Fato

No dia 21 de dezembro de 2007, por volta das 23h15min., na Rua Gino Morassutti, proximo ao Forum, em Guaporé/Rs., o denunciado PEDRO FERREIRA DOS SANTOS mediante violência, deu início ao ato de subtrair a bolsa de propriedade de Luana Schneider.

Na ocasião, a vítima dirigia-se ao centro da cidade acompanhada por seu primo, quando no referido local, foi atacada pelo denunciado, que lhe agarrou pelo pescoço e exigiu a sua bolsa.

2º Fato

Ato Contínuo, nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato anterior o denunciado Pedro Ferreira dos Santos constrangeu a vítima Luana Schneider a praticar com ele ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Na oportunidade, após obter a posse da bolsa da vítima, o denunciado, de forma lasciva, começou a passar as mãos pelo corpo desta.

Neste momento, o primo da vítima, que a acompanhava, tentou impedir o agir ilícito do denunciado, que então, lhe ameaçou com uma faca. A vítima então, começou a gritar e o primo desta foi correndo buscar socorro, o que fez o denunciado fugir do local, não consumando a subtração da bolsa ( 1º fato da denuncia).

A denúncia foi recebida em 22 de setembro de 2008 (fl. 29).

O réu foi citado (fl. 31-v).

Apresentou defesa preliminar, alegando inépcia da denúncia, por não apresentar a descrição dos fatos com clareza. Destacou que a autoria não pode recair sobre a pessoa de Pedro Ferreira dos santos, pois de acordo com as palavras da vítima e de testemunha ouvida, Pedro, na noite dos fatos encontrava-se na praça juntamente com seus amigos (fl. 32-34).

A preliminar suscitada foi afastada e mantido o recebimento da denúncia em 09/02/2009 (fl.35).

Na fase de instrução foram ouvidas a vítima, quatro testemunhas arroladas pela acusação e duas de defesa. Comparecendo o réu à audiência, foi qualificado e interrogado, negando a prática dos fatos, alegando que estava na praça na ocasião, com amigos.

Foi oportunizada em audiência a realização de diligências, nada requerendo a defesa, única presente.

Em memorais o Ministério Público, após analisar o acervo probatório, sustentou estarem comprovadas a materialidade e autoria do delito imputado ao réu, postulando a procedência da ação penal, a fim de que o réu seja condenado pela pratica delituosa descrita na denúncia. ( 61-64).

A defesa do réu apresentou memoriais finais às fls. 66-70, aduzindo que não há provas suficientes da autoria do delito, vez que a prova demonstra muitas contradições. Quanto ao atentado violento ao pudor, disse que os testemunhos são imprecisos. Alegou que não houve tentativa de furto ou roubo contra a vítima. Postulou a improcedência da ação penal, com a absolvição do réu.

Vieram os autos conclusos para sentença.

Relatei.

Decido.

1º Fato - Roubo

A existência do fato não restou suficientemente evidenciada através do caderno probatório.

Com efeito, a ocorrência lavrada por ocasião do fato sinalizava a existência de um roubo, o que não veio confirmado pelas provas judicializadas.

A vítima Luana, quando inquirida, confirmou ter sido abordada por um homem que lhe pedia a bolsa, mas que porém não chegou a se aproximar desta. Percebeu que sua intenção não era levar a bolsa e sim mantê-la imobilizada, passando as mãos em seu corpo. Disse que o réu não chegou a encostar em sua bolsa. Em suas palavras: eu acho que a única coisa que ele não queria era a minha bolsa.

A testemunha Nataniel Sfredo, que acompanhava a vítima narrou que o agente os seguiu, agarrou a prima pelo pescoço e levou ela para baixo. Quanto ao suposto roubo, disse acreditar que não havia intenção de subtrair a bolsa da vítima, pois se ele a quisesse poderia ter corrido na hora.

Os policiais militares inquiridos nada puderam informar sobre a existência do fato, já que foram chamados ao local posteriormente.

O réu negou a acusação, dizendo que por ocasião dos fatos estava na praça da cidade.

Destarte, não há provas suficientes acerca da prática da tentativa de roubo, não sendo possível o juízo condenatório.

É preciso salientar que os elementos probatórios colhidos na fase investigativa são meramente informadores do processo penal. A prova deve necessariamente ser confirmada em juízo, sob o crivo do contraditório, perante o juiz natural da causa, órgão acusador e defesa. Para tanto, a acusação deve se fazer presente e atuante, na busca dos elementos que possam formar a convicção do juízo. No caso em testilha, não se vislumbra qualquer esforço em comprovar o conteúdo da peça acusatória, não sendo possível fazer tábula rasa do devido processo legal, desconsiderando-o por completo.

Forçoso ressaltar que é tarefa do Poder Judiciário, na condição de terceiro imparcial, apreciar os fatos que lhe são trazidos a julgamento. Os fatos, no processo, são trazidos através das provas produzidas, cujo objetivo é justamente reconstituir no processo o que se passa no mundo dos fatos. Para o Poder Judiciário exercer sua função constitucional, cada parte deve exercer também a sua. No caso, cabe ao Ministério Público, se pretende sustentar a denúncia até o fim, produzir em juízo as provas que a amparam, demonstrando, não só na apreciação da prova, mas na sua produção, sua ótica dos fatos da vida ao juiz. Se não se desincumbe satisfatoriamente disso, evidente que resta desarrazoado o pleito condenatório não por falha do juiz, mas talvez por deficiência da parte interessada em fazer a prova que lhe cabia, ou, quiçá, porque efetivamente não tinha razão.

Destarte, se a prova judicialmente colhida não esclarece os fatos e não corrobora o conteúdo do inquérito policial, a absolvição se mostra imperiosa, como corolário das garantias constitucionalmente estabelecidas, de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art.5º, LIV, CF/88) e de que aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV).

2º Fato- Atentado Violento ao Pudor (atual estupro)

Inicialmente ressalto que a atual nomenclatura da conduta descrita na denúncia é “Estupro”, uma vez que a Lei 12.015/2009 reuniu as hipóteses em um único tipo penal, embora a descrição típica e a pena tenham sido mantidas.

Em se tratando de infração que, na forma em que foi praticada, não deixa vestígios, a prova da existência pode ser obtida através dos depoimentos da vítima e testemunhas, não sendo imprescindível, portanto, a existência de auto de exame ou laudo pericial que ateste a prática do ato libidinoso.

Desta feita, passo à análise da prova produzida nos autos para pesquisar sobre a existência e autoria do delito imputado ao réu.

A vitima Luana Schneider narrou que caminhava na rua com o primo quando foi abordada por um homem, que já conhecia e por isso não se preocupou quando se aproximou, que a imobilizou e a levou alguns metros adiante. O primo tentou ajudar, mas o agente disse para “vazar” se não o “apagava”. Ele disse inicialmente que queria sua bolsa, mas a mandava ficar quieta que nada aconteceria e passava as mãos pelo seu corpo, inclusive genitália e por dentro da roupa. Disse que não entrou em detalhes perante a polícia, pois ficou envergonhada, já que havia muitos homens ao redor. Disse ainda que sentia que o agente tinha algo na cintura, não chegando a ver se era uma faca. Disse que a pessoa que lhe atacou era conhecida e morava a algumas quadras de sua casa.

A testemunha Nataniel Sfredo narrou que ia a uma festa com sua prima quando percebeu que alguém os seguia. Viu o réu e o cumprimentou, mas logo depois ele agarrou a vítima pelo pescoço, mandando que saísse de perto pois estava com uma faca. Disse que correu até uma esquina e gritou, então ligou para a polícia e enquanto tentava explicar onde estava, viu o réu se afastar levando a prima para “violentar, estuprar, não sei”. Resolveu ir na direção dos dois e o réu largou a vítima e veio na sua direção. Disse que correu em direção a um posto e depois foi pegar a prima e foram para a praça, quando viu novamente o réu. Disse que ligou novamente para a polícia, indicando a localização do agente. Disse que já conhecia o réu antes do fato, pois foi seu vizinho por muito tempo. Viu sua fisionomia no dia, chegando a cumprimentá-lo. Disse que ele estava com uma camisa laranja e calça jeans e na praça viu a mesma pessoa. Quanto à faca, disse que o réu agarrava a prima com uma mão e com a outra lhe mostrou a faca na cintura. Alegou ter visto o réu passar a mão no corpo da vítima, enquanto se afastava.

Os policiais Edson Quadros, Joel da Silva dos Santos e Marcelo Gomes narraram que receberam dois chamados naquela noite, acerca de um possível roubo ou atentado violento ao pudor e que na primeira vez nada encontraram e na segunda foram apontadas as características do agente e este foi encontrado na praça e reconhecido pela vítima e o primo. Não foi encontrada faca com o réu.

Santo Eduardo Soares contou que estava na praça na noite dos fatos e que viu o réu por volta das 20h e viu quando foi abordado pela polícia. Disse que não estava junto com o réu e que não viu se ele estava o tempo todo na praça.

Rafael Bandeira abonou a conduta do réu.

O acusado, interrogado, negou a acusação, alegando que estava na praça da cidade, junto com amigos. Nominou Santos e Luizinho, disse que não conhecia todos. Disse que deu umas voltas pela praça e quando encontrou Luisinho, cerca de15 minutos depois, foi abordado pela polícia. Disse que estava na praça festejando sua liberdade, pois havia sido solto há pouco tempo. Disse que a vítima poderia ter dito o seu nome para a polícia quando ligou para a polícia. Alegou que pode ter sido confundido, em razão da roupa. Não se ausentou da praça. Disse que não cometeria delitos, pois havia saído da prisão há pouco tempo.

Da prova oral coligida tenho que restou comprovada a ocorrência do fato e autoria por parte do réu.

No presente caso tem-se não apenas o relato da vítima, como também o testemunho do primo que presenciou a abordagem do réu.

Tanto a vítima como o primo já conheciam o acusado de vista e o identificaram como autor do fato. Note-se que a testemunha Nataniel, que ligou para a polícia, narrou que estava tão nervoso que não conseguiu fornecer sua localização exata. Assim, explica-se que não tenha dado o nome do agressor.

Por outro lado, desde a fase policial a vítima contou que o acusado passou as mãos pelo seu corpo, demonstrando relato coeso e harmônico com o que foi presenciado pelo primo.

Verifico que tanto a vítima como o primo não teriam motivo algum para falsear o relato acusando injustamente o réu, uma vez que nenhuma animosidade existia entre eles.

Quanto ao álibi alegado pelo réu, verifico que não veio comprovado nos autos. A testemunha Santo Eduardo Soares apenas alegou tê-lo visto na praça durante a noite, não podendo afirmar se chegou a se ausentar. O réu falou que estava acompanhado de outras pessoas, porém não as arrolou para prestar depoimento.

A violência ficou sobejamente evidenciada através dos relatos da vítima e da testemunha Nataniel.

Assim, resta evidente que a conduta do réu constituiu ação criminosa, enquadrável no tipo descrito no atual art. 213 do CP, e que a existência e autoria do delito estão devidamente comprovadas pelo conjunto probatório carreado aos autos, em especial a palavra da própria vítima.

Tenho, porém, que o mais prudente, para fins de responsabilização penal, é considerar que sua conduta consistiu em uma tentativa de constranger a vítima a praticar ato libidinoso com ele, uma vez que ficou comprovado que o acusado passou as mãos nas partes íntimas da vítima e que se afastou da testemunha Nataniel com o fim de consumar o ato libidinoso, não logrando finalizar seu intento por circunstância alheia à sua vontade, qual seja, a insistência do primo em socorrer a vítima, fazendo com que o réu a soltasse e viesse em sua direção.

Vale lembrar, que o tipo penal em questão traduz um sem número de condutas, vez que abrange todo aquele constrangimento à prática de atos libidinosos, o que torna o tipo perigosamente amplo. Desde um beijo lascivo até o coito anal poderiam ser inseridos na mesma conduta típica. Assim, cabe ao aplicador da lei apreciar o enquadramento da conduta ao tipo penal, sempre limitado pela mais rigorosa proporcionalidade. No presente caso, tenho que dentre tudo o que o réu poderia ter feito e não fez, em termos de atos libidinosos, o apenamento somente se justifica justo e proporcional se aplicada a redução pela tentativa, até porque tudo indica que o acusado pretendia avançar no iter criminis e não o fez, por ter sido interrompido, o que deve ser considerado na sua responsabilização.

Veja-se, a respeito, decisão de nosso Egrégio Tribunal de Justiça:

EMENTA: APELAÇÃO CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. 1. PROVA. Materialidade e autoria comprovadas pelo conjunto probatório carreado aos autos. Além da palavra da vítima, acusando o réu desde a fase investigativa, tem-se o testemunho da diretora da escola da menor, bem como todos os elementos coligidos na fase policial, que corroboram a prova produzida em juízo, sob o crivo do contraditório. 2. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR. A palavra da vítima, especialmente nesta espécie de crime, geralmente praticado às escondidas, merece relevância ímpar para a aferição de um juízo incriminatório, especialmente quando vem corroborada pelo restante da prova, como ocorreu na hipótese. 3. DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR. NÃO ACOLHIDO. Inviável o acolhimento da tese defensiva que postula a desclassificação do delito imputado ao réu para importunação ofensiva ao pudor, já que, in casu, a violência é presumida por força do que dispõe o art. 224, a, do CP. 4. PROPORCIONALIDADE DA SANÇÃO. RECONHECIMENTO DA TENTATIVA. No sentido de buscar solução proporcional aos acontecimentos, que, no caso, não passaram de esfregações do acusado na vítima, mostra-se adequado reputar os fatos como correspondentes a atentado violento ao pudor meramente tentados, na medida em que não chegaram a práticas mais contundentes, como cópula anal ou sexo oral. Por mais criticável que tenham sido as condutas, o fato é que o réu se conteve diante de certos limites, dali não avançando, logo não pode receber o mesmo tratamento que seria dispensado caso, passando daquela linha, tivesse perpetrado condutas na natureza das alvitradas. IMPOSTA CONDENAÇÃO AO RÉU. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70011143872, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 10/08/2006)

Portanto, a conduta do réu restou subsumida à disposição típica contida no atual artigo 213, caput, na forma do art. 14, II, ambos do Código Penal.

Isso posto, havendo certeza quanto à existência do crime e a sua autoria, a condenação do acusado se revela imperiosa, já que não agiu ao abrigo de nenhuma causa excludente da ilicitude do crime ou eximente de sua culpabilidade.

O réu é reincidente, conforme se depreende da certidão de antecedentes de fls. 25/27.

Passo, pois, à dosimetria da pena.

O réu não registra antecedentes criminais, afora aquele que será sopesado como agravante. Não há nos autos elementos para aferir, de forma responsável, sua personalidade. Conduta social abonada por testemunha; os motivos do crime são comuns à espécie, ou seja, a satisfação de sua própria lascívia. Nada a referir sobre as circunstâncias que já não estejam previstas na forma abstrata. Nada a ressaltar quanto às consequências. A culpabilidade, considerada como nota de censura merecida pelo réu, se apresenta em grau mínimo. Assim, analisadas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base em seis anos de reclusão.

Diante da reincidência do réu, exaspero a pena em seis meses, restando a pena-provisória em seis anos e seis meses de reclusão.

Em função da tentativa, diminuo a pena em dois terços, para fixá-la de forma definitiva em dois anos e dois meses de reclusão.

Substituição de pena ou Sursis

Incabíveis face a natureza do crime e a quantidade de pena aplicada, além da reincidência reconhecida.

Regime Inicial

Para o caso de cumprimento da pena privativa de liberdade, fixo o regime inicial fechado, considerando que se trata de crime hediondo, além de o réu ser reincidente específico.

Ante ao exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva para o fim de ABSOLVER o réu PEDRO FERREIRA DOS SANTOS, já qualificado, quanto a primeira imputação da denúncia, com fulcro no art. 386, II, do CPP, e para CONDENÁ-LO à pena de dois anos e dois meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, por incurso, nas sanções do artigo 213, caput, na forma do artigo 14, inciso II, do Código Penal.

O condenado poderá apelar em liberdade, já que assim se encontra desde a instrução criminal.

O acusado arcará com metade das custas do processo, salvo comprovada impossibilidade de fazê-lo.

Após o trânsito em julgado: preencha-se e remeta-se o boletim estatístico; comunique-se ao TRE a condenação; expeça-se PEC definitivo; insira-se o nome do réu no rol de culpados.

Guaporé, 29 de janeiro de 2010.

Annie Kier Herynkopf,
Juíza de Direito.

Lançamento de Obra - TIMM



Caros,
o mestre RICARDO TIMM, com quem tive a oportunidade de ter aulas no mestrado em Ciências Criminais na PUCRS, lança seu 20o. livro solo. 100% recomendado!
Abraço,

Prof. Matzenbacher 


Apresentação (por Paulo César Carbonari)
O livro Adorno & Kafka: paradoxos do singular, do professor Ricardo Timm de Souza leva adiante a tradição de diálogo da filosofia com a literatura. Ao tomar Kafka como interlocutor de Adorno, apresenta questões que o subtítulo da obra resume enfaticamente. Não me atrevo a comentar o belíssimo material que a Editora IFIBE faz chegar às mãos dos leitores e das leitoras. Fico apenas em algumas considerações que pretendem não mais do que expressar gratidão ao autor por confiar sua vigésima obra solo ao nosso trabalho editorial. O professor Timm é conhecido pela ousadia das reflexões que propõe, visto que tocam o extremo da realidade e esticam audaciosamente os limites da racionalidade. Seus escritos desacomodam as racionalidades prontas e desafiam os lugares-comuns do pensamento e da prática. Mais do que instigar a conhecer o legado da tradição, provoca para que a tradição – seja literária ou filosófica – sirva de subsídio para recolher sentidos que os interstícios do mundo põem àqueles e aquelas que insistem em não sucumbir ao dado, simplesmente. Serve de inspiração para todos quantos querem fazer da filosofia uma atividade e uma atitude, mais do que um protocolo. Os textos reunidos nesta obra fazem com que a emergência dos paradoxos do singular desafie os universalismos paradoxais. Contra posturas que tomam estes últimos por vestais da unidade e da coerência e aqueles por insignificantes ou desprezíveis indica que nem uns e nem outros são aceitáveis. Os escritos fazem com que a racionalidade não se acomode ao que a massificação recomenda: o silêncio e o descompromisso, tanto sobre o singular quanto sobre o universal. Servem de antídoto ao cinismo que professa a falência de toda crítica e também fazem uma terapia da crítica que só parece hipocritamente crítica, mas que rigorosamente não é. Por isso, é um convite a desacomodar-se e a fazer da filosofia um exercício de construção da reflexão comprometida com a radicalidade, que imerge nas contradições e, acima de tudo, propõe construir possibilidades que estejam a serviço da mobilização da pluralidade que abre para que as singularidades sejam, apareçam e se manifestem.



quinta-feira, 19 de agosto de 2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O poder diz: - cala a boca.

"Todo tempo de opressão é tempo de grandes sutilezas. Hoje você pode dizer sem medo que 'Nero tocava violino enquanto Roma pegava fogo'. Mas, na época do fato, se noticiava apenas que: 'Personalidade romana colocada na mais alta cúpula, já famosa por ter, anteriormente, encurtado os dias de sua própria mãe, foi vista praticando uma sonata ao violino enquanto a capital do seu país ardia numa conflagração sem igual'. Há muito que aprender com a história em matéria de calar a boca".
Millôr Fernandes



Edição do jornal venezuelano 'El Nacional' publica protesto contra o que chama de censura do governo à imprensa. (informações: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/08/chavez-proibe-que-a-imprensa-divulgue-imagens-sobre-a-violencia-no-pais.html)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

BLOG Luiz Eduardo Soares


Caros,
é com grande satisfação que divulgo aqui o BLOG do amigo LUIZ EDUARDO SOARES. Antropólogo e Cientista Político, além de Professor da UERJ, e também Professor Visitante da Harvard University (dentre outras), já acompanhava o site do LES desde a época em que ele era Secretário Nacional de Segurança Pública, quando tive contato com a obra "Meu Casaco de General". A partir daí, conheci suas outras obras, até que nos conhecemos em Porto Velho - RO, em novembro do ano passado, quando ele aceitou nosso convite para dar uma palestra em nosso Seminário Brasileiro de Ciências Jurídica e uma aula na nossa pós-graduação em Ciências Criminais. E foi uma honra recebê-lo em nossa casa!
O site estava desativado para gerar um BLOG. Pois bem, nasceu! E com a qualidade indelével da maior autoridade sobre segurança pública em nosso país.
Na semana passada, ele concedeu uma entrevista ao "Le Monde Diplomatique Brasil" e estava querendo postá-la aqui no BLOG. Mas, agora, indico a leitura diretamente no BLOG do LES:


Abraços,

Prof. Matzenbacher

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

PUCRS - Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais


Caros,
hoje foi publicado o "Edital de Seleção" para Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais na PUC/RS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E é com prazer que divulgo as informações sobre tais cursos de pós-graduação strictu sensu aqui no BLOG.
Tive a grata satisfação e a honra de ser aluno da 11ª Turma do Mestrado em Ciências Criminais, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Crimininais da PUC/RS (turma ingressante em 2007 e término em 2008), com bolsa da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Momentos inesquecíveis e uma troca de experiências ímpar com mentes brilhantes, que fazem cintilar as estrelas da liberdade, da igualdade, da fraternidade e da democracia, nos céus da Justiça, marcaram a época e guiam o pensamento brasileiro-contemporâneo no fantástico mundo das Ciências Criminais. Grandes amizades e a consolidação das antigas, permearam o caminho trilhado na PUC/RS.
Então, em um rápido momento de nostalgia (afinal de contas, vivemos na "tirania da urgência"!), aproveito para agradecer o apoio incondicional dos meus exemplos: Renata Almeida da Costa, Germano André Doederlein Schwartz e Luiz Fernando Pereira Neto. E também, por óbvio, aos mestres da casa, com os quais tive a oportunidade de travar pequenas e grandes discussões, tais como Ruth Gauer, Aury Lopes Jr., Nereu Giacomolli, Salo de Carvalho, Luciano Feldens, Cezar Bitencourt, Rodrigo Ghringhelli de Azevedo, Fabrício Pozzebon, Fábio D'ávila, Ricardo Timm, Paulo Vinicius Sporleder de Souza, Ney Fayet de Souza Jr. E, aos colegas Cristina Di Gesu, Michelangelo Corsetti, Tomás Grings Machado, Mariana de Assis Brasil e Weigert, Raffaella Pallamolla da Porciuncula, Vinicius Lang, Marcos Eberhardt, Guilherme Drago, Mariana Luisi e Alcides Pacheco, também agradeço.
Meu MUITO OBRIGADO a todos!!!
Saudades daqueles tempos... com a certeza de que todo o esforço e todo o conhecimento adquirido naquela (recente) época, foi, é e será de grande valia para a luta diária!!!
Abraços e boa noite,

Prof. Matzenbacher


INFORMAÇÕES:

O Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais - Mestrado foi criado pelo Conselho Universitário da PUCRS no dia 12/12/1996 (parecer nº. 11/96) e reconhecido pelo Parecer nº. 294/2000 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, homologado pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto (D.O.U, 13/07/2000, Seção I, nº. 134-E).

O Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais - Doutorado foi reconhecido nos termos do art. 2º da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, homologado pelo Ministro de Estado da Educação, sob o Parecer nº 122/2009, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (D.O.U, 19/06/2009 Seção 1, nº 115)

Área de Concentração: Sistema Penal e Violência
Avaliação CAPES: 4
Inscrições: 16/08/2010 a 12/11/2010
Mais informações poderão ser obtidas através do e-mail ppgccrim@pucrs.br, pelo telefone 51-3320-3537 ou no site: http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/fdppg/ppgcc/

domingo, 15 de agosto de 2010

ARTIGO - As Elizas do Brasil e suas Mortes Anunciadas

Caros,
mesmo não concordando com alguns aspectos do artigo abaixo, e também questionando a questão da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, o artigo abaixo merece respeito e deve ser lido. Mostra uma visão "observadora" e "observada" sobre a estrutura e aplicação da legislação referente a violência doméstica.

Prof. Matzenbacher



AS ELIZAS DO BRASIL E SUAS MORTES ANUNCIADAS

Cecilia Sardenberg[1]

Neste mês de agosto, quando se comemora o quarto aniversário da promulgação da Lei 11.340/2006 - denominada Lei Maria da Penha em homenagem a Professora Maria da Penha, uma vítima da violência doméstica que denunciou o Brasil por negligência às cortes internacionais - vários casos de mulheres brutalmente assassinadas por seus companheiros ocupam as principais manchetes dos jornais do país e da nossa mídia televisiva, demonstrando a relevância e pertinência dessa nova legislação.

Dentre esses casos, tem chamado atenção especial o da jovem Eliza Samúdio. Além do suposto mandante do crime ser um jogador de futebol de certa projeção, a forma em que a jovem foi assassinada e o corpo “desovado” vem chocando a opinião pública. Seu corpo ainda não foi encontrado, mas depoimentos colhidos pela polícia indicam que Eliza foi esquartejada, seus restos mortais jogados a cachorros e os ossos posteriormente cimentados.

Sem dúvida, esse nível de brutalidade é de causar arrepios, principalmente quando se constata que atinge várias outras mulheres, sem que suas histórias ganhem espaço na mídia por não envolverem gente dita “famosa”. O que já nos revela o quanto a violência contra as mulheres no Brasil ainda é banalizada. Além disso, no caso de Eliza, como vem acontecendo também com tantas outras vítimas, estamos diante de mais uma “morte anunciada”– isto é, de mais um caso de negligência por parte dos órgãos do Estado no enfrentamento à violência contra mulheres, mesmo quando as mulheres vitimadas buscam justiça. Senão vejamos:

De acordo com as investigações tornadas públicas, Eliza Samúdio viveu uma relação passageira com o goleiro Bruno do Esporte Clube Flamengo, mas que resultou em uma gravidez por ele rejeitada. Pior que isso, em outubro de 2009, quando estava grávida de cinco meses, Eliza foi seqüestrada por ele e seus comparsas e mantida em cárcere privado, sendo agredida física e verbalmente, ameaçada de morte e forçada a uma tentativa de aborto, conforme queixa registrada pela vítima na Delegacia Especial de Atendimento a Mulher- DEAM de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Nessa ocasião, a delegada de plantão, reconhecendo o risco que a jovem corria e a pertinência da Lei Maria da Penha ao caso, solicitou ao Judiciário a aplicação de uma medida protetiva contra o goleiro Bruno, que o proibiria de se aproximar de Eliza por menos de 300 metros. No entanto, a juíza responsável negou o pedido da DEAM, alegando a não existência de um relacionamento entre as partes envolvidas, e acusando a vítima de "tentar punir o agressor" (...) "sob pena de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha". Desconsiderando o fato de Eliza estar grávida de cinco meses do agressor, e desconhecendo que a Lei Maria da Penha foi criada para proteger as mulheres, essa juiza afirmou, equivocadamente, que a referida Lei "tem como meta a proteção da família, seja ela proveniente de união estável ou do casamento, bem como objetiva a proteção da mulher na relação afetiva, e não na relação puramente de caráter eventual e sexual".

Esse tipo de interpretação nos revela o quanto no pensar Judiciário – mesmo quando expresso por mulheres - permanece em pauta uma ideologia patriarcal, machista, que categoriza as mulheres como “santas” ou ”putas”, resguardando as primeiras na “família” e tratando as outras como casos de polícia que “banalizam” a Lei. Não é, pois, ao acaso que a cidadania feminina no Brasil ainda é uma cidadania pela metade, já que os direitos das mulheres continuam a ser subjugados aos da “família”, o que contribui para a reprodução das relações patriarcais entre nós e, assim, para o crescimento da violência contra mulheres.

Foi o que aconteceu com Eliza Samúdio. A interpretação da Lei a partir de um viés patriarcal, por parte da juíza fluminense, implicou no envio do processo em questão para uma vara criminal, trazendo consequências ainda mais desastrosas. Ali, por descaso da polícia, que deveria ter levado as investigações adiante com a necessária urgência, só recentemente houve algum avanço nesse sentido. Na verdade, só depois do desaparecimento de Eliza se tornar público e ganhar as manchetes, a polícia deu o devido andamento às investigações.

Em janeiro deste ano, em Belo Horizonte, outra jovem, a cabelereira Maria Islaine, também foi brutalmente assassinada pelo ex-marido, que disparou nove vezes contra ela, a despeito das várias queixas registradas na DEAM. Aliás, tem-se conta de que Maria Islaine fez oito registros de crime de ameaça, que resultaram em três prisões preventivas decretadas contra seu ex-marido, sem que nenhuma delas fosse cumprida. Por isso, apesar de medida protetiva ter sido expedida, ele continuou a procurá-la, ameaçando-a e agredindo-a em sua casa, uma situação registrada em ligações feitas por Maria Islaine para a polícia pedindo ajuda e socorro – mas tudo em vão. Num desses telefonemas, que foi gravado, a vítima reclama: “Tenho uma intimação que a juíza expediu por causa do meu marido, que me agrediu. Eu o levei na Lei Maria da Penha. Era para ele ser expulso de casa. O oficial veio, tirou de casa, só que ele está aqui e ainda está me ameaçando”. Em uma outra gravação, que foi anexada ao inquérito policial, o ex-marido ameaça: “Não vou aceitar perder minha casa. Se perder, você vai estar debaixo da terra. Está decidido isso. Já não vou trabalhar mais. Vou tocar uma vida de vagabundo. Se eu perder minha casa, vou te matar”. E cumpriu a ameaça, porque não foi preso como deveria ter sido.

Estudos e pesquisas sendo desenvolvidos pelo OBSERVE-Observató rio da Aplicação da Lei Maria da Penha, em quase todas as capitais do país, dão conta de que, apesar dos pactos selados com o Governo Federal, são muitas as instâncias semelhantes de descaso e mesmo negligência por parte dos estados da União no enfrentamento à violência contra mulheres. São juizados e varas de violência doméstica e familiar ainda por serem criados ou em funcionamento precário, DEAMs fisicamente mal equipadas e valendo-se de pessoal sem o treinamento e capacitação necessárias, e autoridades que interpretam e aplicam a lei a seu bel prazer, sem o devido preparo e esclarecimentos cabíveis em prol da proteção de mulheres em situação de violência, como no caso de Eliza.

Embora este ano celebramos quatro anos de Lei Maria da Penha, nosso levantamento revelou que algumas capitais pesquisadas – João Pessoa, Aracaju e Terezina no Nordeste, e Palmas, Boa Vista e Porto Velho na Região Norte, por exemplo – ainda não dispõem de nenhuma vara ou juizado especializado em violência doméstica e familiar contra mulheres, descumprindo assim o que rege a Lei. E em muitas das que já criaram esses juizados, não existem as equipes multidisciplinares para prestar o necessário apoio às mulheres, tampouco uma articulação eficaz com os demais órgãos que devem compor a rede de atendimento às mulheres em busca do acesso à justiça.

Esse descaso se verifica mesmo no tocante às delegacias especializadas – que constituem a mais antiga política pública de enfrentamento à violência contra as mulheres no país e que, figuram, ainda hoje, como principal referência para as mulheres em situação de violência. Embora a Lei Maria da Penha tenha trazido novas atribuições para essas delegacias – com destaque para a retomada do Inquérito Policial como procedimento e as medidas protetivas de urgência – ampliando sua competência e também as demandas que lhe são encaminhadas diariamente, não parece haver um empenho real por parte da maioria dos estados – apesar dos “pactos” - em criar condições para que as DEAMs cumpram seu papel.

A precariedade das delegacias contribui para que as delegadas titulares criem suas próprias normas, deliberando, por exemplo, pelo não atendimento de casos de violência de gênero contra mulheres que não se incluam na Lei Maria da Penha. Ou então, para que ofereçam resistência a sua implementação, procurando mediar entre vítimas e agressores e fazer uso das malfadadas “cestas básicas” como pena, tal qual se fazia quando a Lei 9.099/95 – responsável pela criação dos JECRIMs, Juizados Especiais Criminais, que banalizavam a violência contra mulheres ao extremo - permanecia em vigor. Identificamos, também, uma prática preocupante: a exigência de duas testemunhas que atestem a veracidade dos fatos relatados pela mulher. Sem a presença das testemunhas, o Boletim de Ocorrência não é registrado. E se exige o agendamento para comparecimento das vítimas e das pessoas para testemunharem a seu favor, o que incorre na desistência de algumas mulheres, por falta de testemunha. Afinal, casais não costumam levar “testemunhas” para o interior dos seus quartos e para o leito conjugal onde ocorrem, em grande medida, os atos de violência doméstica.

Malgrado essa situação, consultas realizadas nas principais cidades do país com mulheres que registraram queixas nas delegacias têm revelado que, em sua maioria, essas queixantes vêem as DEAMs como porta de entrada na sua busca por justiça e proteção frente às ameaças e maus tratos sofridos. Contrário ao que se propaga em relação às vítimas, são poucas as que buscam as delegacias apenas como “mediadoras” de conflitos entre casais. Como Eliza, também essas queixantes buscam medidas protetivas na aplicação da Lei e uma ação imediata como a situação demanda - mas não têm sido atendidas. Algumas têm sido até aconselhadas nas delegacias a voltarem dali a seis meses, quando se sabe que a queixa perde sua validade jurídica quando registrada fora desse prazo. Outras, como Maria Islaine, conseguem as medidas protetivas e até mesmo a decretação da prisão dos agressores. Mas, lamentavelmente, por negligência das nossas autoridades, eles continuam à solta, colocando a vida das mulheres em sério risco. Como bem concluiu uma de nossas entrevistadas: “Por isso que muitas mulheres estão morrendo”.

Por certo, as muitas Elizas do nosso Brasil e suas mortes anunciadas, dia após dia, nas DEAMs e juizados de todo o país, demandam de todos e todas nós muito mais do que arrepios. É mais do que necessário e urgente que exijamos dos nossos governantes e legisladores – e dos candidatos e candidatas a esses postos – o compromisso com a implementação e cumprimento da Lei Maria da Penha nos moldes e normas previstas, denunciando no “Ligue 180” e nas respectivas corregedorias todas as instâncias contrárias. Quando a negligência persistir, sigamos o exemplo da Professora Maria da Penha, apelando para as cortes internacionais. Ademais, é imprescindível que nos organizemos para que se processe uma verdadeira reforma no Sistema Judiciário e nos órgãos de segurança pública – que deve começar com os cursos de Direito - de sorte a livrá-los, de vez, das ideologias patriarcais que acalentam a violência contra nós, mulheres, em nome da “família”.

Precisamos, sim, fazer valer nossa cidadania por inteiro o quanto antes: uma vida sem violência é um direito de todas nós, Elizas, Maria Islaines e Marias da Penha!


[1] Professora e Pesquisadora do NEIM; UFBa e Coordenadora Nacional do OBSERVE - Observatório de Monitoramento da Aplicação da Lei Maria da Penha. www.observe. ufba.br

Fonte: http://www.observe.ufba.br/

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

16 Seminário Internacional IBCCRIM


Caros,
o maior evento da América Latina sobre o fantástico mundo das Ciências Criminais, será no final desse mês, em São Paulo. Trata-se do Seminário Internacional do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminiais), que vai para sua 16a edição. Infelizmente, em razão de compromissos profissionais já assumidos, não participarei. Confiram a programação, pois está imperdível! Quem puder, se inscreva e participe!

Prof. Matzenbacher 

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

DIA DO ADVOGADO

Caros,
hoje é a data comemorativa ao DIA DO ADVOGADO!
Historicamente, neste dia, em 1827, Dom Pedro I criou os primeiros cursos de ciências jurídicas e sociais no Brasil, abrindo a Faculdade de Direito de São Paulo e de Olinda. E conseqüentemente essa data é dedicada aos profissionais da área de Direito, “o Dia do Advogado”.
Para outros, esse dia tem um significado a mais, já que também se comemora o tradicional "Dia do Pendura", relembrando uma tradição de mais de 180 anos e que é uma dor de cabeça para os donos de bares e restaurantes brasileiros.
O Dia do Pendura, é realizado, segundo a tradição, em respeito à profissão do Advogado (que possuía muita notoriedade na época do Primeiro Império – 1822-1831), onde os proprietários de estabelecimentos alimentícios convidavam os Advogados e Acadêmicos de Direito para comemorar a data em seus bares e restaurantes. Tudo, é claro, por conta da casa.
Assim, os Advogados e aspirantes a tal comiam e bebiam por cortesia e, ao final do banquete, discursavam para os presentes no estabelecimento, em retribuição ao convite e à “homenagem”. Na época, tais discursos eram uma honra para os proprietários dos bares.
Com o passar dos anos e a oferta dos cursos de Direito no Brasil, o Pendura foi ficando insustentável. Os convites dos proprietários para o 11 de agosto gratuito foram acabando e, desta forma, os estudantes começaram a se “auto-convidar”. Desde então, estudantes de Direito de todo o país invadem bares e restaurantes, comem, bebem, fazem festa e saem livremente sem pagar, sob a desculpa de comemorar o seu dia.
Alguns donos de bares e restaurantes se recusam a aceitar o calote e chegam a chamar a polícia, o que quase sempre termina em acordo entre estudantes e proprietários. Outros oferecem descontos aos futuros Advogados, a fim de evitar um prejuízo maior. Há ainda um tipo de “pendura social”, onde o valor da conta dos estudantes ou parte dele é doado a instituições beneficentes. É claro que, neste último caso, os estudantes pagam a conta.
Alguns estabelecimentos, principalmente os localizados nas proximidades das Universidades amanhecem e anoitecem fechados nos 11 de agosto, preferindo perder um dia de lucro a ter um dia de prejuízo. Uma tradição que ainda hoje é mantida pelos estudantes é a de não estender o calote aos garçons: os 10% devem ser pagos. Alguns profissionais e ordens da classe do Brasil são contra o Pendura, alegando ir contra o papel do Advogado na sociedade e ser uma ofensa à ética da profissão.
Então, com pendura ou sem pendura, aproveito para render minhas homenagens e parabenizar todos os Advogados e Advogadas que, com competência, profissionalismo e ética, exercem sua profissão essencial à Justiça, lutando nas trincheiras dos fóruns pelo Brasil afora, pela concretização do Estado Democrático de Direito, a partir da Constituição Federal de 1988, pela Justiça, pela prevalência dos direitos humanos, pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais de cada cidadão, e pela cidadania.
Parabenizo também, todos os Acadêmicos dos Cursos de Direito do Brasil, que, com estudo, estudo, estudo e humanidade, se tornarão ótimos Advogados e Advogadas!

Abraços,

Alexandre Matzenbacher


PS: Aos que forem comemorar em bares ou restaurantes, lembrem-se do artigo 176 do Código Penal!!

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Giuliani, a Diarista e Themis

 
O cenário

De um lado, a ilha de Manhattan. De outro, uma favela em um morro na selva de pedra brasileira por excelência: São Paulo.

As personagens

De um lado Caroline Giuliani. De outro, uma Diarista. Essa, desempregada, mãe de 10 filhos, casada com um desempregado, e ainda dividem o barraco com um genro e uma neta; aquela, estudante da Universidade de Harvard, uma das mais conceituadas universidade do mundo.

Os crimes

Na quarta-feira passada (em 04/08/2010), Caroline Giuliani foi presa em flagrante, por ser detectada pelas câmaras de vigilância de um estabelecimento comercial, furtando cosméticos de grifes internacionais. Na semana retrasada (em 30/07/2010), a Diarista desempregada foi presa por tentar furtar 10 bermudas e 02 sapatos de um supermercado. Os cosméticos, com certeza, seriam para aplacar a frívola vaidade de Caroline. As bermudas e os sapatos, sem dúvidas, seriam para agasalhar os 10 filhos que a Diarista possui, e calçar pelo menos 02 deles. O valor estimado dos bens subtraídos por Caroline é de R$ 200,00. E o valor estimado dos bens subtraídos pela Diarista é menor do que R$ 100,00. Em ambos os casos, trata-se de tentativa de furto.

O árbitro

Em Manhattan, um sobrenome. Em São Paulo, a personificação de Themis: uma juíza (com “j” minúsculo mesmo). De acordo com a notícia veiculada no site do jornal New York Post, “depois que os funcionários perceberam de quem se tratava, resolveram não prestar queixa caso ela pagasse os produtos”. Caroline foi levada para a delegacia de polícia e liberada rapidamente, pois é óbvio que os produtos foram pagos e o inquérito arquivado. Em São Paulo, a Diarista foi presa em flagrante, e foi arbitrada a fiança, em razão da natureza do delito cometido. Liberada a Diarista, escreveu uma carta para Themis dizendo que era pobre, que ela e o marido estavam desempregados e que por isso não poderia pagar R$ 300,00 de fiança para ficar em liberdade. O que a juíza fez? Expediu mandado de prisão para a Diarista pelo não pagamento da fiança.

A “cegueira” de Themis

A ironia do destino em Manhattan, é que foi justamente o pai de Caroline, o promotor e ex-prefeito de New York, Rudolph Giuliani, que implantou a política criminal de tolerância zero, partindo da matriz teórica da The Broken Windows Theory, quando à frente da prefeitura da cidade, para combater a criminalidade urbana, justificando que “quem rouba um ovo, rouba um boi”. Ou seja, somente combatendo os pequenos delitos é que se conseguirá prevenir os grandes. Logo, pela tentativa de furto praticada por Caroline, ela deveria ficar presa, pois quebrou a janela que não deveria quebrada (a ordem social). Mas isso nem chegou ao conhecimento de Themis, e também não chegará pelas vias legais, pois nesse caso, abre-se uma exceção nos termos: - tu sabes com quem está falando?

Já em São Paulo, a juíza não mediu esforços para manter-se cega e levantar a espada e Themis, não querendo ver o que está diante de sua própria face. Ou melhor: fingir que não vê. Preferiu deixar a venda cobrindo os olhos para não ver o sangue derramado pela espada empunhada. Aplicação total da The Broken Windows Theory e da política criminal de tolerância zero, que Loïc Wacquant, nas obras “Punir os Pobres” e “As Prisões da Miséria”, comprova, empiricamente, o fracasso da política criminal de Giuliani em solo americano e em solo inglês. Imaginem só, se Wacquant realizasse a pesquisa no sistema de justiça criminal brasileiro!

Como diria Jacinto Coutinho sobre isso: estamos diante de uma “incarceration mania”, nessa passagem do welfare state (que sequer saiu do papel) para um Estado Penal legalista e impiedoso (juridicamente falando). E se se está em um Estado Penal, está-se diante da guerra. E a guerra é sempre assim: uns contra os outros. E o problema se agrava quando lobos vestem peles de cordeiro, e a guerra se resume a nós contra eles. E eles, são os indesejáveis. São os outros. E se são os outros, não são como nós. Nesse ínterim, o maniqueísmo alimentado pelo labeling approach praticado “legalmente” (como adoram os paleopositivistas) pelos “justiceiros da sociedade”, faz com que a longa manus do Leviatã seja forte, impiedoso e injusto: prisão para a miséria.

A sorte da Diarista em São Paulo, foi que um Advogado (provavelmente cansado de ver triunfar as barbaridades revestidas de legalidade nesse país), que estava na delegacia em que ela foi presa, viu o que estava acontecendo e de pronto, fez um pedido de liberdade o qual foi concedido no outro dia. O destino da Diarista foi ter sido “encontrada” por esse Advogado, e não ficar ao revés da Defensoria Pública (que deveria ter uma estrutura como o MP, possibilitando um atendimento eficaz para todos aqueles que necessitam), pois poderia ficar presa respondendo o processo por mais tempo do que se condenada fosse. E esse, infelizmente, é o cenário do sistema de justiça criminal brasileiro: seletivo, estigmatizador e excluidor.

Mas, enquanto a corrupção e o crime organizado não forem prevenidos ou reprimidos de acordo com os ditames legais respeitando as garantias fundamentais, Themis continuará piscando o olho para quem tiver po$$e$, e continuará mandado para o # os #iseráveis.

À maneira de Saramago: de quem é a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam?


Prof. Matzenbacher

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

As prisões da miséria



















Caros,
abaixo, segue notícia veiculada pelo site "Consultor Jurídico" na data de hoje, onde se comprova o notoriamente sabido: as prisões da miséria no Brasil. O sociólogo francês Loïc Wacquant, na obra com o título deste post (a qual indicamos, bem como também a obra "Punir os Pobres" do mesmo autor), esmiuça criminologicamente [logo, com método empírico, de difícil viragem linguística como adoram os paleopositivistas de plantão, e por isso mesmo um murro na cara de Themis - a "deusa da justiça"(?)], a orientação massiva e repressivista do Leviatã a partir da década de 80 do século XX, transformando-se em um verdadeiro "Estado Penal", e o conseqüente fracasso da politica criminal tolerância zero.
Nesse ínterim, é simplesmente um absurdo a decisão da juíza que ordenou a prisão da diarista por não pagar a fiança arbitrada. E para representar tal absurdo, nessas situações, nada melhor que o "olhar" de Sebastião Salgado (fotógrafo brasileiro mundialmente reconhecido por denunciar as misérias sociais no Brasil e no mundo agora - ambas as fotos aqui trazidas são dele).
Boa noite,

Prof. Matzenbacher


PARA PENSAR: Como impedir tais prisões se a própria política econômico-social marginaliza uma grande parcela da população? Qual a política criminal adequada para incluir e não excluir os "indesejáveis"? Como desvendar Themis e fazer com que baixa sua espada para as misérias?

























Juíza manda prender desempregada por causa de fiança

Sob o risco de ficar presa por não pagar R$ 300 de fiança, uma diarista desempregada, mãe de dez filhos, moradora de uma favela em Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, resolveu escrever uma carta dizendo que era pobre e que ela e o marido estavam desempregados. Por este motivo, não tem condição de pagar o valor. A fiança foi cobrada por ela ter sido presa em flagrante ao tentar furtar roupas de um supermercado. O crime aconteceu no dia 30 de julho. A notícia é da Folha de S. Paulo.

Na última quinta-feira (5/8), a juíza Cláudia Ribeiro, que assumiu o caso, mandou prendê-la por não ter quitado o débito. Procurada, a juíza Cláudia Ribeiro afirmou por intermédio de uma servidora que não se lembrava desse caso, mas que poderia rever a decisão.

Diante da situação da desempregada, o advogado Josué de Souza, que estava na mesma delegacia, decidiu ajudá-la. Ele fez o pedido de liberdade. Ela foi solta na noite de sábado (31/7).

A diarista tentou furtar dez bermudas e dois sapatos para os filhos, mas um segurança a flagrou e chamou a Polícia. Ela foi presa em flagrante. Na delegacia, ela se negou a ligar para a família. Segundo ela, estava morrendo de vergonha. "Quebrei o chip do meu celular para não ligar para o meu marido. Só mais tarde, quando vi que ficaria presa, pedi para me deixarem ligar", disse.

Mas vivendo de doações e com uma renda de R$ 330 de um programa assistencial do governo, ela afirma que não tem como pagar o valor da fiança.

Para a defensora pública Paula Barbosa Cardoso, que passou a atuar na defesa da desempregada, a decisão foi equivocada, considerando que ela é ré primária. "Para esse crime [tentativa de furto], a Justiça tem concedido penas alternativas. Não há necessidade de prisão", disse a defensora.

A diarista, seu marido, os dez filhos, um genro e uma neta moram em uma casa de quatro cômodos, numa viela localizada no pé de um morro em Cidade Tiradentes. No ano passado, os três homens adultos da casa perderam seus empregos. As duas mulheres também estão desempregadas.

Ainda envergonhada pela prisão e por ser procurada pela Justiça, a desempregada reclama da forma como foi tratada. "Errei e estou arrependida. Fiquei presa da tarde de sexta até a noite de sábado. Fui tratada que nem um cachorro. Até parecia que eu era chefe do [facção criminosa] PCC".


Fonte: Consultor Jurídico (em 09/08/2010 http://www.conjur.com.br/)