quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pão

Caros,
depois da aplicação da avaliação do 2 bimestre de Direito Processual Penal III, alguns acadêmicos disseram que participariam de um evento com um promotor de justiça de São Paulo em uma outra IES. Não eram ainda 21:00 quando recebo a primeira ligação do Breno, indignado com algumas "falas" de tal evento.
Diante dos comentários e da conversa travada com ele, lembrei dos comentários sobre a crônica (na verdade um relato sobre uma situação real!) "PÃO", de José Saramago, feitos pelo Paulinho quando discutia com ele o meu ponto de vista contrário a aprovação do projeto "ficha limpa" (agora já lei e valendo para esse processo eleitoral, inclusive para condenações anteriores a edição da lei, segundo o TSE), antes do debate sobre tal assunto na V SEMANA JURÍDICA DA UNIRON (27 e 28 de maio).
Como ele disponibilizou no BLOG dele recentemente, con permesso, compartilho o texto com vocês para refletirmos um pouco... na verdade, espero que reflitamos muito!!
Prof. Matzenbacher





PÃO

Por José Saramago



Terá o digníssimo fiscal de Badalona lido Os Miseráveis de Victor Hugo, ou pertence àquela parte da humanidade que crê que a vida se aprende nos códigos? A pergunta é obviamente retórica e, se a faço, é só para facilitar-me a entrada na matéria. Assim, o leitor ilustrado já ficou a saber que o dito fiscal poderia ser, com inteira justiça, uma das figuras que Victor Hugo plantou no seu livro, a de acusador público. O protagonista da história, Jean Valjean (soa-lhe este nome, senhor fiscal?), foi acusado de ter roubado (e roubou mesmo) um pão, crime que lhe custou quase uma vida de reclusão por via de sucessivas condenações motivadas por repetidas tentativas de fuga, mais logradas umas que outras. Jean Valjean sofria de uma enfermidade que ataca muito a população dos cárceres, a ânsia de liberdade. O livro é enorme, daqueles de que hoje se diz terem páginas a mais, e certamente não interessará ao senhor fiscal que provavelmente já não está em idade de o ler: Os Miseráveis são para ler na juventude, depois disso vem o cinismo e já são poucos os adultos que tenham paciência para interessar-se pela miséria e pelas desventuras de Jean Valjean. Com tudo isto, também pode suceder que eu esteja equivocado: talvez o senhor fiscal tenha lido mesmo Os Miseráveis… Se assim é, permita-me uma pergunta: como foi que ousou (se o verbo lhe parecer demasiado forte use qualquer dos equivalentes) pedir um ano e meio de prisão para o mendigo que em Badalona tentou roubar uma “baguette”, e digo tentou porque só conseguiu levar metade? Como foi? Será porque, em vez de um cérebro, tem no seu crânio, como único mobiliário, um código? Aclare-me, por favor, para que eu comece já a preparar a minha defesa se alguma vez vier a ter pela frente um exemplar da sua espécie.