segunda-feira, 3 de maio de 2010

STF - Gravidade do crime não permite que se prenda alguém para depois apurar delito

Caros,
mesmo ainda estando "de cara" com a decisão do STF sobre a improcedência da ADPF 153, a qual questionava a Lei da Anistia (estou escrevendo sobre o assunto e logo publicarei aqui no BLOG), essa decisão do Ministro MARCO AURELIO é interessante por 2 motivos: 1) pelo reconhecimento da "futurologia perigosista", que permeia a cabeça de alguns (a maioria!) julgadores, pois decretam uma medida restritiva da liberdade em sede cautelar por "possuir certa situação financeira", logo, o rechaçamento desse fundamento para a decretação da preventiva para a (sofismável) garantia da ordem pública é a medida (necessária) que se impõem; 2) pela relativização da Súmula 691 do STF, servindo de base (para não dizer ensinamento!) para que todos os julgadores entendam que, realmente, "cada caso é um caso", ou seja, súmula não é lei e cada processo deve passar pelo "sofrimento" do processo hermenêutico.
Abraço e boa noite,
Prof. Matzenbacher

DECISÃO HC 103201/STF


IMPETRAÇÕES SUCESSIVAS – PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTOS – INSUBSISTÊNCIA – EXCEPCIONALIDADE DEMONSTRADA – LIMINAR DEFERIDA – EXTENSÃO A CORRÉU.


1. A Assessoria prestou as seguintes informações:


O Juízo da 2ª Vara Judicial do Foro Distrital da Comarca de Bertioga, Estado de São Paulo, recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual e determinou a prisão preventiva da paciente. Na oportunidade, assentou serem ela e o corréu José Firmino de Souza acusados de homicídio duplamente qualificado. A paciente, “por possuir certa situação financeira”, foi acusada de mandante de um crime e, em liberdade, poderia prejudicar o andamento processual, ou até mesmo fugir para deixar de responder ao processo, dada a influência na cidade.

Contra o referido ato, a defesa impetrou habeas no Tribunal de Justiça – de nº 990.09.208658-8. A ordem foi indeferida. Formalizada idêntica medida no Superior Tribunal de Justiça – de nº 161.944 -, o Ministro Jorge Mussi não acolheu o pedido de liminar, acentuando que a paciente, consoante acórdão proferido pelo Tribunal estadual, é acusada de ter mandado executar a vítima, pagando a quantia de R$ 5.500,00 ao executor. A segregação cautelar se impunha para garantia da ordem pública, diante da gravidade do delito em tese cometido, circunstância que, à primeira vista, não indicava a ocorrência de ilegalidade manifesta a ensejar qualquer providência sumária. Ademais, segundo consta da decisão, o pleito de liminar estaria a confundir-se com o mérito da impetração, a ser analisado no julgamento definitivo.

Neste processo, o impetrante volta-se contra a referida decisão. Preliminarmente, assenta estar diante de flagrante ilegalidade, razão pela qual afirma cabível a relativização do Verbete nº 691 da Súmula do Supremo. Na sequência, reitera as teses submetidas às instâncias judiciais percorridas, relacionadas à ausência de fundamentação do ato mediante o qual determinada a prisão preventiva da paciente, que está embasada em ilações e conjecturas, sendo inobservados os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Diz da violação ao princípio da presunção de não culpabilidade, impondo-se à paciente a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença.

Pede a concessão de liminar, determinando-se a expedição de contramandado de prisão. No mérito, busca a revogação da decisão mediante a qual determinada a custódia processual.


2. É emblemática a situação revelada neste processo. O ato que implicou a preventiva contém fundamentação de todo imprópria. Apontou-se o envolvimento de homicídio duplamente qualificado. Ora, é sabença geral que a gravidade do crime, da imputação, por si só, não lastreia a inversão da ordem natural das coisas – prendendo-se para depois apurar-se. Na sequência, quanto à paciente, aludiu-se à circunstância de ser a autora intelectual do crime e de tê-lo encomendado mediante paga, partindo-se, a seguir, para elucubração: por exercer influência na cidade, sendo comerciante, poderia, sem a prisão, criar obstáculo à tramitação processual ou, até mesmo, fugir para não responder ao processo. Relativamente ao corréu, afirmou-se que estaria foragido para não colaborar com a Justiça. É pouco, muito pouco para respaldar a custódia. Pouco importa a situação financeira de certo acusado bem como a influência na vida gregária, o mesmo devendo ser dito quanto ao fato de tratar-se de comerciante. Aliás, esses dados são conducentes a que se aguarde do acusado uma postura consentânea com aquela própria ao homem médio. De qualquer forma, impossível é presumir-se o excepcional, imaginando-se, simplesmente imaginando-se, que, em liberdade, poderá prejudicar o andamento das apurações.

Quanto ao corréu, observem o disposto no artigo 366 do Código Penal. Caso não encontrado no distrito da culpa, vindo a ser declarado revel, deixando de constituir advogado, suspendem-se o processo e a prescrição. O próprio artigo remete ao preceito regedor da prisão cautelar sem cogitá-la com a automaticidade consagrada na origem. Em síntese, verificado o fenômeno da revelia, da ausência de constituição de profissional da advocacia, a custódia preventiva somente pode ser decretada se atendido um dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Tenho o quadro como de excepcionalidade maior. Ressalto que a adequação do habeas apenas pressupõe o cerceio à liberdade de ir e vir, na forma direta ou indireta, e a existência de órgão capaz de julgar a impetração. Iniludivelmente, o Supremo o é quanto a ato de Tribunal, pouco importando se formalizado por Colegiado ou por relator. Aliás, com maior razão se se tratar de ato monocrático.

3. Defiro a medida acauteladora. Estendo-a ao corréu José Firmino de Souza. Expeçam os contramandados com observância às cautelas próprias, ou seja, caso não tenham eles contra si ordem de prisão diversa da retratada no ato do Juízo do Foro Distrital de Bertioga no Processo nº 15/09. Fica a advertência de que deverão permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais.

4. Esta liminar não implica o prejuízo do Habeas Corpus nº 161.944/SP, em curso no Superior Tribunal de Justiça. Oficiem ao relator, o colega Ministro Jorge Mussi, para a cabível ciência.

5. Colham o parecer da Procuradoria Geral da República.

6. Publiquem.

Brasília – residência –, 7 de abril de 2010.





Ministro MARCO AURÉLIO
Relator