quinta-feira, 29 de abril de 2010

I Seminário de Direito Eleitoral de Rondônia




Caros,
conforme já comentado, amanhã (30/04/2010 - "o dia D do Leão"!!!) ocorre o I Seminário de Direito Eleitoral de Rondônia, promovido pelo IDERO - Instituto de Direito Eleitoral de Rondônia, sob o comando dos amigos e advogados Manoel Veríssimo e Francisco de Souza Lunguinho Junior, e também sob a liderança do amigo e acadêmico Breno Farias; e também, do TRE/RO, sob a presidência da Desembargadora Zelite Andrade Carneiro.
Com certeza, depois do nosso apoio, estaremos presentes prestigiando o evento sobre a "Minirreforma Eleitoral", contando com a participação especial do Ministro do TSE, Arnaldo Versiani.
Participem!
Abraços,

Prof. Matzenbacher


quarta-feira, 28 de abril de 2010

STF - Julgamento da ADPF 153 (1a. parte)

Caros,
e o STF iniciou o julgamento da ADPF 153, ajuizada pela OAB, discutindo a Lei da Anistia (Lei 6.683/79), a qual garantiu anistia total aos autores de crimes políticos e conexos, durante o período da ditadura militar.
Como já questionamos e comentamos no twitter (www.twitter.com/amatzenbacher) a repercussão e a nossa indignação, e considerando que o julgamento ainda não terminou, momentaneamente, trazemos o voto do Relator, Ministro Eros Grau, que nos decepcionou com sua posição. Entretanto, mesmo a respeitando, a fundamentação para manter vigente a Lei da Anistia foi lamentável e irrisória. A começar pela negação do pedido de audiência pública para discutir o tema, democraticamente.
Mas, ainda temos esperança e cremos no Poder Judiciário brasileiro! Vamos aguardar os votos dos demais Ministros da Corte Constitucional do nosso País!
Abraço e boa leitura,
Prof. Matzenbacher



terça-feira, 27 de abril de 2010

STF - Possibildade de recorrer em liberdade no crime de tráfico

Caros,
vejam também essa decisão do Supremo Tribunal Federal, de relatoria do decano da Casa Judiciária, o Ministro Celso de Mello. Trata-se de um ótimo arrazoado sobre a manutenção da prisão cautelar quando da prolação de uma sentença penal condenatória, e a obrigação de motivação das decisões judiciais, pois trata-se de garantia fundamental daquele que se senta no banco dos réus.
Logo, vale lembrar os princípios que devem ser respeitados quando da decretação de uma medida cautelar que restringe a liberdade (pois a liberdade é a regra e a prisão é a exceção): jurisdicionalidade, provisionalidade, provisoriedade, excepcionalidade e proporcionalidade.
Acadêmicos de Direito Processual Penal III: ATENÇÃO!!!
Boa leitura e boa noite,
Prof. Matzenbacher
PS: Com a devida vênia, para aqueles que gostam da "letra da lei", a leitura é obrigatória!

HC 103529/STF


EMENTA: “HABEAS CORPUS”. DENEGAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE FUNDADA NO ART. 59 DA LEI DE DROGAS. CONTEÚDO NORMATIVO DESSA REGRA LEGAL VIRTUALMENTE IDÊNTICO AO DO ART. 594 DO CPP QUE, NÃO OBSTANTE HOJE DERROGADO (LEI Nº 11.719/2008), FOI CONSIDERADO INCOMPATÍVEL, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COM A VIGENTE CONSTITUIÇÃO (RHC 83.810/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA). REFORÇO DE ARGUMENTAÇÃO EFETUADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF. AINDA QUE POSSÍVEL TAL REFORÇO, OS FUNDAMENTOS EM QUE SE APÓIA MOSTRAR-SE-IAM DESTITUÍDOS DE CONSISTÊNCIA EM FACE DA APARENTE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 44 DA LEI DE DROGAS. VEDAÇÃO LEGAL IMPOSTA, EM CARÁTER ABSOLUTO E APRIORÍSTICO, QUE OBSTA, “IN ABSTRACTO”, A CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, “CAPUT” E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS. POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 44). OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO “DUE PROCESS OF LAW”, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA “PROIBIÇÃO DO EXCESSO”: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA NEM SE MANTÉM PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO “STATUS LIBERTATIS” DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.


DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 18):

“PETIÇÃO RECEBIDA COMO ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO, PELO ART. 2º, INCISO II, DA LEI 8.072/90 E PELO ART. 44 DA LEI 11.343/06. ORDEM DENEGADA.
1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é inafiançável. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem fiança.
2. A legislação infraconstitucional (arts. 2º, II, da Lei 8.072/90 e 44 da Lei 11.343/06) também veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes.
3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a vedação legal é fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória (HC 76.779/MT, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 3/4/08).
4. Ordem denegada.”
(Pet 7.623/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA - grifei)

Passo a apreciar o pedido de medida liminar ora formulado pela parte impetrante. E, ao fazê-lo, entendo plausível, em sede de estrita delibação, a pretensão jurídica deduzida na presente causa.

Constata-se, pela análise da sentença penal condenatória (fls. 07/16), que não há, nela, qualquer motivação justificadora da concreta necessidade de manutenção da prisão cautelar dos pacientes (fls. 16):

“Os réus já se encontram presos cautelarmente e, se insatisfeitos com a decisão, não poderão recorrer em liberdade, em vista da proibição expressamente prevista no artigo 59 da Lei Antitóxicos, que entendo não ter sido revogado pelo art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90.” (grifei)

Vê-se que o magistrado de primeira instância, ao negar, na espécie, a possibilidade de os pacientes recorrerem em liberdade, apoiou-se, unicamente, sem referência a qualquer situação evidenciadora da concreta necessidade da prisão cautelar, na vedação imposta, em abstrato, pelo art. 59 da Lei nº 11.343/2006, que reproduz, virtualmente, o que prescrevia o art. 594 do CPP, hoje derrogado pela Lei nº 11.719/2008.

Ocorre, no entanto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar o conteúdo de referida norma legal (CPP, art. 594), entendeu-a incompatível com o modelo consagrado na vigente Constituição da República, vindo a formular, por isso mesmo, juízo negativo de recepção, como resulta de julgamento assim ementado:

“RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. ART. 594 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONHECIMENTO DA APELAÇÃO E RECOLHIMENTO DO RÉU CONDENADO À PRISÃO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA AMPLA DEFESA. RECURSO PROVIDO.
1. O recolhimento do condenado à prisão não pode ser exigido como requisito para o conhecimento do recurso de apelação, sob pena de violação aos direitos de ampla defesa e à igualdade entre as partes no processo.
2. Não recepção do art. 594 do Código de Processo Penal da Constituição de 1988.
3. Recurso ordinário conhecido e provido.”
(RHC 83.810/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – grifei)

Essa circunstância basta, só por si, para justificar – ao menos em juízo de estrita delibação – a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida nesta sede processual.

Observo, ainda, na espécie, que a decisão proferida pelo magistrado local de primeira instância pareceria justificar a (inadmissível) execução provisória da condenação penal.

É imperioso observar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal não reconhece a possibilidade constitucional de execução provisória da pena, por entender que orientação em sentido diverso transgrediria, de modo frontal, a presunção constitucional de inocência.

É por tal motivo que, em situações como a que ora se registra nesta causa, o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, até mesmo em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, ainda que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 89.952/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, inclusive de ofício, a diversos pacientes, o direito de recorrer em liberdade.

É certo, no entanto, que, proferida sentença penal condenatória, nada impede que o Poder Judiciário, a despeito do caráter recorrível desse ato sentencial, decrete, excepcionalmente, a prisão cautelar do réu condenado, desde que existam, contudo, quanto a ela, reais motivos evidenciadores da necessidade de adoção dessa extraordinária medida constritiva de ordem pessoal (RTJ 193/936, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 71.644/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Isso significa que, para efeito de legitimação da prisão cautelar motivada por condenação recorrível (como sucede na espécie), exigir-se-á, sempre, considerada a inconstitucionalidade da execução penal provisória (HC 84.078/MG, Rel. Min. EROS GRAU, Pleno), a observância de certos requisitos, sem os quais não terá validade jurídica alguma esse ato de constrição da liberdade pessoal do sentenciado, consoante adverte o magistério da doutrina (ROBERTO DELMANTO JÚNIOR, “As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração”, p. 202/234, itens ns. 6 e 7, 2ª ed., 2001, Renovar; LUIZ FLÁVIO GOMES, “Direito de Apelar em Liberdade”, p. 104, item n. 3, 2ª ed., 1996, RT; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN/JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 163/164, item n. 7.1.5, 3ª ed., 2005, Forense; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Tutela Cautelar no Processo Penal”, p. 286/301, item n. 4.4.3.1.5, 2005, Lumen Juris; ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “Prisão Cautelar”, 2006, Lumen Juris, v.g.), em lições que têm merecido, no tema, o beneplácito da jurisprudência desta Corte Suprema.

O exame da decisão ora questionada parece revelar que esse ato decisório não se ajustaria ao magistério jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, pois – insista-se – a denegação, ao sentenciado, do direito de recorrer (ou de permanecer) em liberdade depende, para legitimar-se, da ocorrência concreta de qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP (RTJ 195/603, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 84.434/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 86.164/RO, Rel. Min. AYRES BRITTO, v.g.), a significar, portanto, que, inexistindo fundamento autorizador da privação meramente processual da liberdade do réu, esse ato de constrição reputar-se-á ilegal, porque destituído, em referido contexto, da necessária cautelaridade (RTJ 193/936):

“(...) PRISÃO CAUTELAR – CARÁTER EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Doutrina. Precedentes.”
(HC 89.754/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Em suma: a prisão processual, de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em condenação penal recorrível, tem, como pressuposto legitimador, a existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente ocorrente, a adoção – sempre excepcional – dessa medida constritiva de caráter pessoal.

Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelo julgamento emanado do E. Superior Tribunal de Justiça, no qual se denegou a ordem de “habeas corpus” então postulada em favor dos ora pacientes.

Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, HC 96.715-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, HC 97.976-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...).”
(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU - grifei)

A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta (ou mantém) o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois - insista-se - a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas “a posteriori” (RTJ 59/31 – RTJ 172/191-192 - RT 543/472 - RT 639/381, v.g.):

“Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal.
1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do ‘hábeas-corpus’ que o impugna não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes.”
(RTJ 179/1135-1136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

Mesmo que se pudesse superar esse obstáculo, a afirmação do E. Superior Tribunal de Justiça – fundada, tão-somente, no art. 44 da Lei nº 11.343/2006 – também não se revestiria de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual.

Mostra-se importante ter presente, no caso, quanto à Lei nº 11.343/2006, que o seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, ‘caput’ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei”.

Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à concessão de liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e Comentários à Lei nº 11.343/06”, p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRANCIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes ‘Supra-hediondos’: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06”, “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal”, p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Editora”, v.g.).

Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei nº 10.826/2003, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte.

A regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inscrita no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), tinha a seguinte redação:

“Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.” (grifei)

Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser admitida, eis que se revela manifestamente incompatível com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito.

Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:

“(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ‘ex lege’, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.” (grifei)

Devo assinalar, por relevante, que a aplicabilidade do art. 44 da Lei de Drogas tem sido recusada por alguns Juízes do Supremo Tribunal Federal, que vislumbram, em referida cláusula legal, a eiva da inconstitucionalidade (HC 97.976-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 100.330-MC/MS, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 100.949-MC/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.):

“‘HABEAS CORPUS’. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, IMPOSTA EM CARÁTER APRIORÍSTICO, INIBITÓRIA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, ‘CAPUT’ E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS. POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 44). OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO ‘DUE PROCESS OF LAW’, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA ‘PROIBIÇÃO DO EXCESSO’: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA NEM SE MANTÉM PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO ‘STATUS LIBERTATIS’ DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.”
(HC 100.742-MC/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale mencionar, quanto à possível inconstitucionalidade do art. 44 da Lei de Drogas, recentíssima decisão proferida pela colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 100.872/MG, Rel. Min. EROS GRAU, que manteve medida cautelar anteriormente concedida pelo eminente Relator da causa, que assim fundamentou, no ponto, a sua decisão monocrática:

“A vedação da liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da Lei n. 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). (...). A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável.” (grifei)

Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, também encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini, “Crime Organizado”, p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS, “Comentários à Lei contra o Crime Organizado”, p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, p. 142/150, item n. 2, “c”, 2ª ed., 2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, “Crimes Hediondos”, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT, v.g.).

Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.

O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).

Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.

A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.

O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Essa orientação vem sendo observada em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”
(RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Tenho por inadequada, desse modo, por tratar-se de fundamento insuficiente à manutenção da prisão cautelar dos ora pacientes, a mera invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.

Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar a imediata soltura dos ora pacientes, se por al não estiverem presos, relativamente ao Processo nº 229.09.004166-2 (1ª Vara da comarca de Sumaré/SP).

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (Pet 7.623/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 990.09.190723-5) e ao MM. Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Sumaré/SP (Processo nº 229.09.004166-2).

Publique-se.

Brasília, 16 de abril de 2010.



Ministro CELSO DE MELLO
Relator

STF - Ministro concede liminar em HC de acusado de furtar R$ 17 e um frasco de perfume

Caros,
vejam a decisão do Pretório Excelso hoje, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, aplicando o princípio da insignificância num suposto crime de furto qualificado. Embora em sede liminar de habeas corpus não seja possível ingressar no mérito da discussão da aplicabilidade da bagatela, como se constata no despacho abaixo, trata-se de caso de plena aplicação da bagatela ao fato narrado. Logo, acadêmicos de Direito Penal I: ATENÇÃO!!! Vejam a tese sustentada pela Defensoria Pública da União.
Acadêmicos de Direito Processual Penal III: vejam que no caso da concessão da liminar em HC, a "Cinderela" está com os sapatinhos apropriados para a ocasião ("fumus boni iuris" e "periculum in mora")!!
Boa noite e boa leitura,
Prof. Matzenbacher




HC 103312/STF




DECISÃO: Vistos, etc.
Cuida-se de habeas corpus, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado contra acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça. Acórdão assim ementado (fls. 84/85 do apenso):


“HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. RES FURTIVA: UM FRASCO DE PERFUME USADO E MAIS R$ 30,00, EM ESPÉCIE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA PENALMENTE RELEVANTE APESAR DE SE TRATAR DE RES FURTIVA QUE PODE SER CONSIDERADA ÍNFIMA, AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME (FURTO PRATICADO DURANTE O REPOUSO NOTURNO, EM CONCURSO DE AGENTES E MEDIANTE ESCALADA), INDICA A INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.
2. Verificada a excludente de aplicação da pena, por motivo de política criminal, é imprescindível que a sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (1) a mínima ofensividade da conduta do agente; (2) a ausência total de periculosidade social da ação; (3) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (4) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412⁄SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004)
3. No caso em apreço, apesar do ínfimo valor dos bens subtraídos, não merece a aplicação do postulado permissivo, eis que evidenciada a reprovabilidade da conduta do agente, consideradas as circunstâncias do crime, uma vez que se trata de furto praticado durante o período noturno, em concurso de agentes e mediante escalada.
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial, dadas as singularidades deste caso.”


2. Pois bem, a Defensoria Pública da União insiste, aqui, na tese de atipicidade da conduta imputada ao paciente. O que faz sob a alegação de que “o furto qualificado pelo concurso de pessoas que restringe-se a R$ 17,00 e um frasco de perfume usado é um crime de bagatela, ao qual se aplica o princípio da insignificância, dado que à lei não cabe preocupar-se com infrações de pouca monta, insuscetíveis de causar ínfimo dano à coletividade” (fls. 06). Daí o pedido de medida liminar, formulado para suspender, até o julgamento final deste HC, os efeitos da sentença penal condenatória.


3. Continuo nesta narrativa da causa para anotar que o paciente foi denunciado pelo delito de furto qualificado, nos termos seguintes (fls. 16/17 do apenso):

“(...) o denunciado, agindo unidade de desígnio e com animus furandi com terceira pessoa identificada apenas como Eduardo, durante o repouso noturno, subtraiu, para proveito de ambos, coisas alheias móveis pertencentes à vítima João Batista Silvano.
Segundo apurado, no dia e local citados, o denunciado e o terceiro agente, após pularem o muro da residência da vítima João, nela adentraram.
Enquanto a vítima dormia no quarto, os agentes subtraíram a carteira da vítima, contendo documentos pessoais e trinta reais em dinheiro e um vidro de perfume.
Policiais militares foram avisados que dois homens haviam pulado o muro de uma residência e foram até lá para averiguar. Os agentes dividiram entre si a quantia subtraída e empreenderam fuga. Entretanto, o denunciado foi visto pela testemunha Elber, que o imobilizou até que a polícia militar o prendesse em flagrante.
Com o denunciado foram encontrados R$ 17,00 em dinheiro e um vidro de perfume. O outro agente conseguiu fugir levando o restante da res furtiva (...)”


4. Interrogado pela autoridade judiciária, o paciente, menor de 21 anos de idade na data do fato, confessou a subtração, nos termos seguintes (fls. 21 do apenso):


“(...) Que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; (...) que o declarante pulou o muro da casa de João; que Eduardo permaneceu do lado de fora; que o declarante entrou pela casa pela janela; que pegou a chave em cima da geladeira e abriu o portão para Eduardo; que Eduardo entrou e pegou trinta Reais encima da mesa; que Eduardo pegou um vidro de perfume na gaveta e pediu ao declarante para ficar com ele; que ao saírem da casa foram abordados por um policial...”


5. Seguido o devido iter processual, a denúncia foi julgada procedente e o paciente condenado à pena de 2 anos de reclusão e multa. Pena, essa, substituída por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e limitação de final de semana), nos termos do art. 44 do Código Penal.


6. Em sede de apelação defensiva, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reduziu a reprimenda ao patamar de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e multa, mantida a substituição fixada pela sentença condenatória. Isto em consideração ao pequeno valor subtraído pelo paciente, a atrair a regra do privilégio, de que trata o § 2º do artigo 155 do Código Penal (“Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1(um) a 2/3 (dois terços), ou aplicar somente a pena de multa”).


7. Feito este aligeirado relato da causa, decido. Fazendo-o, acentuo que o poder de cautela dos magistrados é exercido num juízo prefacial em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. Se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade do direito (fumus boni juris) e do perigo da demora da prestação jurisdicional (periculum in mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser aferidos primo oculi, portanto. Não sendo de se exigir, do julgador, uma aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que lhe dão suporte, sob pena de antecipação do próprio conteúdo da decisão definitiva.

8. No caso, tenho por atendidos os pressupostos do provimento cautelar. É que se me afigura ocorrente, neste exame provisório da causa, a plausibilidade jurídica do pedido veiculado nesta impetração. Plausibilidade que se revela no exame dos seguintes precedentes desta Suprema Corte: HCs 96.823 e 95.957, ambos de relatoria do Ministro Celso de Mello.

9. Por tudo quanto posto, defiro a liminar requestada. O que faço para suspender, até o julgamento definitivo deste habeas corpus, os efeitos da condenação do paciente nos autos da Apelação Criminal nº 1.0079.07.370117-3/001 (Tribunal de Justiça de Minas Gerais).

10. Abra-se vista à Procuradoria-Geral da República.

Comunique-se, com a máxima urgência.

Intime-se.

Publique-se.

Brasília, 05 de abril de 2010.


Ministro AYRES BRITTO

Relator

quarta-feira, 21 de abril de 2010

ENTREVISTA - Luiz Eduardo Soares


Caros,
vejam a brilhante entrevista dada pelo amigo e professor LUIZ EDUARDO SOARES para a Revista Caros Amigos. Contudo, o impressionante (lamentavelmente por óbvio) é que vocês não encontrarão a entrevista na Revista Caros Amigos, e nem no site http://carosamigos.terra.com.br/ E sabem o porquê não foi publicada??? Porque a discussão sobre a política criminal de drogas no Brasil, simplesmente, não existe! Então, pela completa omissão, realmente é desconfortante e incomodativa essa situação para o(s) Poder(es).
Pois bem, a entrevista então foi publicada no site "Desentorpecendo A Razão (http://www.coletivodar.wordpress.com/)", e então, façamos as nossas reflexões e vamos para o debate! Aliás, como questiona Luiz Eduardo Soares: "que debate???".
Portanto, sem dúvidas, vamos somar nossas vozes às vozes "libertárias e anti-proibicionistas" para que o problema das drogas no Brasil (e todas as implicações diretas e indiretas) seja enfrentado com a seridedade que merece, e não fique à marcê de uma mera "política eleitoreira". Nos juntamos ao coro de Luiz Eduardo Soares, que já tivemos a oportunidade de debater inclusive sobre esse tema aqui em Porto Velho - RO, em novembro de 2009, para que ecoe nos 4 cantos desse Brasil a necessidade de se debater verdadeiramente a política criminal de drogas no Brasil. Que o Estado deixe um pouco de lado a ânsia repressora e entenda e estenda a democracia a todo (complexo) Sistema de Justiça Criminal brasileiro.
Estamos juntos com LES, Salo, Renata, Maria Lucia Karam, Miriam Guindani, Canterji, Mariana Weigert, Raffaella Pallamolla, Bizotto, Achutti, e todas as outras vozes, verdadeiramente, libertárias a anti-proibicionistas nesse tema!
Boa noite e boa leitura,


Prof. Matzenbacher

PS: lembrem-se que no Brasil, o uso ainda é criminalizado! (art. 28 da Lei 11.343/2006)




“É preciso tirar do armário as vozes libertárias, anti-proibicionistas. Elas precisam correr riscos mas têm de se pronunciar com desassombro e clareza”.

O cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares é muito mais do que um acadêmico engajado intelectualmente contra o proibicionismo (o que já seria ótimo). Viveu, digamos assim, “o lado de lá”, e sentiu na pele os entraves institucionais kafkanianos que impedem o poder público de atacar os probelmas que realmente importam. Foi secretário de segurança do rio de Janeiro e Secretário Nacional de Segurança Pública. Com esta experiência, pode dizer explicar a situação com clareza, como quando aponta que ” O que se passa é o seguinte: milhares de jovens pobres são capturados com drogas e, independentemente da quantidade, são rotulados como traficantes e trancafiados nessas entidades, que muitas vezes não passam de simulacros de prisões. São, assim, praticamente condenados a uma carreira no crime”.

Nesta entrevista concedida ao DAR, aponta não só os efeitos do proibicionismo e seu fracasso, como os limites de uma concepção política que encara punição e justiça como sinônimos, segurança e arbítrio como causa e consequência. Além de esboçar propostas de alternativas, como “ajustar as contas com a segurança e a justiça criminal, isto é, estender a transição democrática a essas áreas, mudando-as em profundidade. A começar pelo modelo de polícia que herdamos da ditadura e permanece intocado”.


Confira abaixo a íntegra da conversa com o autor de, entre outras obras, Elite da Tropa e Meu casaco de general: 500 dias no front da Segurança Pública do Estado do Rio de JaneiroDAR – Como avalia o estágio atual de penetração do debate de drogas na sociedade brasileira? Acredita que houve avanço nos últimos anos?









Luiz Eduardo Soares – Debate? Que debate? O que há é a movimentação de grupos bastante específicos e um ou outro editorial na grande imprensa. Fora isso, o que há são os pesquisadores devotados e respeitáveis e a admirável e incansável militância anti-proibicionista. O resto é marasmo, são platitudes preconceituosas, retórica conservadora com tinturas diversas, estigmas e a pasmaceira de sempre ante a máquina feroz de morte e irracionalidade da política vigente, que criminaliza os jovens pobres e negros, estimula a corrupção policial, o domínio territorial pelo tráfico e o comércio ilegal de armas, com seus corolários sangrentos.

- Por que ainda há tanta resistência – mesmo nos ditos setores “progressistas” – quanto a enfrentar com seriedade este debate? A quem interessa a manutenção do atual status proibicionista?

Luiz Eduardo Soares – A rigor a situação atual não interessa a ninguém, salvo os segmentos corruptos da polícia, das milícias e dos políticos a eles aliados. O senso comum supõe que tudo o que existe expressa algum interesse e se realiza segundo determinado projeto de poder. Não é assim. Há efeitos perversos e efeitos de agregação, como dizemos os sociólogos. Ninguém com autoridade para mudar dispõe-se a agir por razões eleitoreiras, uma vez que formou-se uma opinião majoritária inteiramente reacionária, nessa matéria, apoiada em mitos, erros empíricos e ignorância da realidade mundial e dos resultados das pesquisas.

Para comprová-lo, basta ler o que escreveu Cesar Maia, dirigente do DEM, em seu ex-Blog. Disse que o ex-presidente FHC, ao criticar a política repressiva da guerra às drogas e reconhecer a necessidade de mudanças, ainda que tímidas, estaria prestando um desserviço à oposição, porque 80% da sociedade brasileira e 95% dos setores mais pobres eram contrários a qualquer mudança liberalizante. Cesar Maia condenava FHC por mexer em casa de marimbondo e se isolar, na opinião pública. Ou seja, segundo Cesar o líder político não deve ter compromisso com o que seja justo, necessário e verdadeiro, mas com o que seja eleitoralmente conveniente e palatável. Claro que assim não vamos a lugar nenhum. Mesmo fora da política partidária, há uma certa política na sociedade que amarra lideranças sociais aos tabus anti-drogas, subtraindo-lhes coragem de se pronunciar contra a corrente dominante.

É como as questões do aborto, da homofobia ou das políticas afirmativas contra o racismo. Não se trata apenas de troca de informações, idéias, conhecimento e opiniões, mas de valores arraigados com base em símbolos e tabus vigorosos. Os críticos se sentem envergonhados e se submetem à silenciosa pressão da maioria. Portanto, é preciso tirar do armário as vozes libertárias, anti-proibicionistas. Elas precisam correr riscos mas têm de se pronunciar com desassombro e clareza. Defender a descriminalização das drogas ou sua legalização não significa que se esteja elogiando as drogas, estimulando seu consumo ou admitindo que se consome. Eu, por exemplo, assumo publicamente essa posição minoritária desde os anos 1970. Não uso drogas nem bebo. Mas não admito que o Estado interfira em minhas decisões privadas. E repudio a hipocrisia que libera o cigarro e o álcool e proíbe a maconha, por exemplo. Assim como me nego a aceitar que um adolescente pobre e negro, de 18 anos, seja declarado criminoso e enjaulado porque vendeu maconha a outro, da mesma idade, mas de outra classe social e outra cor de pele, paternalísticamente definido como vítima: o consumidor. Bem, mas aí já entramos na discussão substantiva.

- Ultimamente a mídia tem dado destaque a movimentações institucionais e parlamentares no sentido de mudanças na atual lei drogas. Acredita na viabilidade dessas mudanças? Se sim, até onde elas iriam num primeiro momento?

Luiz Eduardo Soares – A atual política é um rotundo e eloqüente fracasso. Não só no Brasil. Por outro lado, o mal que a atual política de drogas provoca está aí, à vista de todos. Acredito que contra os tabus e a ignorância, contra a demagogia e o oportunismo eleitorais, contra o moralismo reacionário predominante, contra o populismo penal ainda há de se afirmar uma posição mais sensata, um pouquinho mais sensata. Acho que mais cedo ou mais tarde a estupidez da política vigente há de se desmascarar, revelando-se como aquilo que é. E creio que, apesar de tudo, haveremos de avançar, como avança o mundo à nossa volta, da Argentina à Suiça, de Portugal à Holanda. Não tenho dúvida que mesmo nos EUA –matriz do atraso e do obscurantismo nessa matéria– há uma consciência crítica bastante forte, inclusive dentro das polícias e do governo, mas a coalizão da direita não cessa de freiar o processo com suas chantagens.

Enfim, acredito que haverá progresso, ainda que não linear. O processo vai ser difícil, tormentoso e pleno de contradições. Hoje, o que parece começar a avançar é a descriminalização do usuário. Bem, acho que está errado em sua unilateralidade e que é injusto, mas não nego que seja melhor do que nada e que possa servir à abertura de portas para avanços mais consistentes no futuro.

- Com sua experiência como gestor público, que tipo de efeitos a chamada Guerra às drogas tem sobre a segurança pública?

Luiz Eduardo Soares – A guerra às drogas, no Brasil (e não só), tem os efeitos mais nefastos: estimula a corrupção policial e o desenvolvimento das milícias, e alimenta o tráfico de armas, sem o qual não haveria tanta violência letal, nem o domínio territorial, que veta a milhões de pessoas o acesso aos benefícios derivados do estado democrático de Direito. Além disso, há dinâmicas políticas brutais e degradadas, decorrentes desses fenômenos que acabo de enumerar. E mais: avança a criminalização da pobreza. Desafio qualquer leitor a encontrar um adolescente de classe média, branco e bem posto na vida, que esteja internado numa entidade sócio-educativa. Se houver será a exceção a confirmar a regra.

O que se passa é o seguinte: milhares de jovens pobres são capturados com drogas e, independentemente da quantidade, são rotulados como traficantes e trancafiados nessas entidades, que muitas vezes não passam de simulacros de prisões. São, assim, praticamente condenados a uma carreira no crime. O jovem rico e branco, capturado com a mesma quantidade, ou é solto mediante a propina paga pelos pais, ou é classificado como “dependente”, “viciado”, usuário, consumidor. Resultado: vai para casa. Isso é o que acontece, porque a legislação faculta ao juiz arbitrar se a quantidade recolhida com o capturado indicia tráfico ou consumo.

E atenção: a imagem usual do vendedor de drogas como o dragão da maldade, crudelíssimo e violento, é uma construção social estigmatizante que costuma ser aplicada de modo generalizante e que funciona como instrumento de reprodução de preconceitos e desigualdades sociais. Raros são aqueles que agem em conformidade com a descrição que identifica o sujeito com a monstruosidade inumana.

- De que forma e por que as políticas repressivas atuam de maneira tão seletiva, incidindo prioritariamente sobre os pobres? Por que as políticas de segurança pública são tão voltadas para a saída penal? Como fazer para alterar esse quadro?

Luiz Eduardo Soares – A sociedade e, por extensão, nossos políticos, em sua maioria, tendem a confundir justiça com punição e punição com privação de liberdade. Ficam de fora todas as dimensões da reparação da vítima, de prevenção da violência e do crime, e de construção de novas oportunidades e vias a quem transgrediu as leis ou as regras do convívio social. A lei, em sua forma pura e ideal, é igual para todos –afinal, justiça é equidade. No entanto, como nossa estrutura social é muito desigual–e nossa cultura consagra muitas delas–, e como nossas instituições de segurança e justiça criminal (assim como as políticas penais e de segurança) são fortemente marcadas por tais estruturas e por tal cultura, as leis, quando são aplicadas, submetem-se à refração imposta por filtros de classe, cor, idade, gênero, opção sexual, religião e outros. Daí a dramática desigualdade no acesso à Justiça –que talvez seja a forma mais deletéria e dura de nossas desigualdades e a mais negligenciada, até porque corrói a legitimidade da institucionalidade política–, que começa na abordagem policial e termina na prolatação das sentenças e em sua execução no sistema penitenciário, que é a negação selvagem de nossas pretensões civilizacionais. O que e como fazer? Ajustar as contas com a segurança e a justiça criminal, isto é, estender a transição democrática a essas áreas, mudando-as em profundidade. A começar pelo modelo de polícia que herdamos da ditadura e permanece intocado.

- Quais os principais avanços que uma mudança na proibição das drogas traria? Como se enfrentaria o problema no abuso do uso, por exemplo?

Luiz Eduardo Soares – Sejamos pragmáticos: o verdadeiro debate não é “devemos ou não proibir o acesso às drogas”, do álcool à cocaína. Não é esse o debate porque a hipótese do impedimento desse acesso não existe, na realidade prática. Ou seja, o acesso é um fato em todo mundo democrático ou não totalitário e teocrático. E não porque as polícias sejam incompetentes. Os EUA gastaram 500 bilhões de dólares na guerra às drogas, desde sua declaração, em meados dos anos 1990. Mesmo assim, o consumo não foi alterado. Portanto, não se pode dizer que faltou dinheiro, pessoal, equipamento, qualidade tecnológica, competência técnica, nada disso. O fato é que é simplesmente impossível controlar uma dinâmica desse tipo, quando, na sociedade, há demanda e oferta. O fato é este. Ponto final. Sejamos realistas. Rendamo-nos aos fatos.

Aliás, no fundo o que esse fato demonstra é muito bom: a sociedade vence o Estado, para o bem e para o mal. De todo modo, é necessário ter os pés no chão e reconhecer os fatos como eles são. A verdadeira questão sempre mascarada é a seguinte: como não está ao nosso alcance impedir o acesso às substâncias que chamamos drogas, temos de nos perguntar: em que contexto jurídico-político seria preferível vivenciar esta iniludível realidade? Dizendo-o de outro modo: em que contexto normativo seria menos mau lidar com a realidade do acesso às drogas? O contexto atual, em que drogas são problema de polícia e cadeia, isto é, de política criminal? Ou um contexto diferente em que elas fossem objeto de saúde pública e educação? Eu aposto no segundo caminho. Ele não vai evitar o abuso, mas pelo menos não vai provocar outros males. Das drogas e de seus efeitos destrutivos nós nunca nos livraremos, mas poderemos aprender a conviver melhor com elas, a ponto, inclusive, de reduzir o sofrimento humano que seu abuso provoca.

Vejamos o caso mais grave: o álcool. Há, no Brasil, mais de 15 milhões de alcoólicos e, mesmo assim –felizmente– ninguém está propondo a proibição e a criminalização do usuário. A não criminalização tem impedido o abuso, a dependência? Não. Mas acho que todos concordariam que a via da criminalização tampouco resolveria o abuso e ainda implicaria conseqüências coletivas desastrosas. Eis, por fim, um exemplo virtuoso e uma lição: temos diminuído bastante o consumo de cigarro com políticas inteligentes que disciplinam a venda e o consumo, e criam um ambiente cultural avesso ao uso. Esse é o caminho.


segunda-feira, 19 de abril de 2010

DECISÃO - Liberdade provisória em crime de tráfico


Caros,
segue uma ótima decisão proferida pelo Magistrado Gerivaldo Neiva (BA), concedendo liberdade provisória no crime de tráfico de entorpecentes, rechaçando o artigo 44, da Lei 11.343/2006.
Vale lembrar que a lei, é apenas a lei. Nesse sentido, a interpretação sempre se faz necessária, e por isso, algumas ponderações: a um, a regra É a liberdade, a prisão é a exceção; a dois, o flagrante NÃO prende por si só; a três, mesmo com a ardência do flagrante, processualmente falando, ainda vigora a presunção de inocência; a quatro, a presunção de inocência é um dever de tratamento; a cinco, quem pode(ria) vedar (mesmo sendo questionada!) a restrição da liberdade em descompasso com o artigo 5, inciso LXI, da Constituição Federal, seria o próprio legislador constituinte originário; a seis, deve-se aplicar a proporcionalidade da medida levando em consideração o preceito fundamental do nosso Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.
Nossos parabéns ao Dr. Gerivaldo Neiva pela decisão!
Acadêmicos de Direito Processual Penal, boa leitura!
Abraços,


Prof. Matzenbacher



Autos: 0001141-98.2010.805.0063
Requerente: F.S.C.

Tráfico. Prisão em flagrante. Liberdade provisória. Réu primário, endereço e profissão certos. Repercussão Geral no STF. Inconstitucionalidade do artigo 44, da Lei 11.343/06. Desnecessidade da decretação de prisão preventiva. Liberdade concedida.

O requerente foi preso em flagrante ao ser abordado em via pública desta cidade e em sua posse, em uma “pochete”, encontrada certa quantidade de pedras de crack. Ao requerer a concessão de liberdade provisória, alegou que é primário, tem bons antecedentes, profissão e endereço certos, não havendo razões para decretação de sua prisão preventiva.
O ilustre representante do Ministério Público, em parecer de fls. 21 e 22, manifestou-se pelo indeferimento do pedido, alegando ter sido o crime “perpetrado com aflição de grave ameaça à ordem pública.”
Brevemente relatados, Decido.
A divergência acerca da possibilidade da concessão de liberdade provisória para os casos de crime de tráfico, principalmente no âmbito do STF, terminou resultando no reconhecimento da “repercussão geral”, em 10.09.2009, pelo Supremo, no RE 601384, ainda não apreciada definitivamente pelo Pleno do STF.
PRISÃO PREVENTIVA – FLAGRANTE – TRÁFICO DE DROGAS – FIANÇA VERSUS LIBERDADE PROVISÓRIA, ADMISSÃO DESTA ÚLTIMA – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de ser concedida liberdade provisória a preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas, considerada a cláusula constitucional vedadora da fiança nos crimes hediondos e equiparados. RE 601384 RG / RS - REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator: Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento: 10/09/2009 0 – Publicação: 29.10.2009 - Parte(s): Recte.: Ministério Público Federal - Recdo.: Vanderlei Pereira - Adv.: Luisa Fernanda Silva dos Santos.
Pela inconstitucionalidade da proibição, merece destaque os argumentos expendidos em voto do eminente Ministro Eros Grau:
Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado em decisão que indeferiu pleito cautelar em idêntica via processual.
O paciente foi preso em flagrante com 452,4g de maconha. O pedido de liberdade provisória restou indeferido.
O impetrante alega que o Juiz indeferiu a liberdade provisória com fundamento no artigo 44 da Lei nº 11.343/06, sem apresentar qualquer justificativa cautelar apta à manutenção da custódia do paciente.
Requer seja afastada a Súmula 691 deste Tribunal e concedida a liminar a fim de que o paciente seja posto em liberdade.
É o relatório.
O Supremo Tribunal Federal vem adotando o entendimento de que o preso em flagrante por tráfico de entorpecentes não tem direito à liberdade provisória, por expressa vedação do artigo 44 da Lei nº 11.343/06.
O Ministro Celso de Mello, no entanto, ao deferir a liminar requerida no HC n. 97.976-MG, DJ de 11/3/09, observou que o tema está a merecer reflexão por esta Corte. Eis, em síntese, a decisão de Sua Excelência:

"Habeas Corpus". Vedação legal absoluta, em caráter apriorístico, da concessão de liberdade provisória. Lei de drogas (art. 44). Inconstitucionalidade. Ofensa aos postulados constitucionais da presunção de inocência, do due process of law, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, visto sob a perspectiva da proibição do excesso: fator de contenção e conformação da própria atividade normativa do estado. Precedente do Supremo Tribunal Federal: Adi 3.112/DF (Estatuto do Desarmamento, art. 21). Caráter extraordinário da privação cautelar da liberdade individual. Não se decreta prisão cautelar, sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao status libertatis daquele que a sofre.Irrelevância, para o efeito de controle da legalidade do decreto de prisão cautelar, de eventual reforço de argumentação acrescido por tribunais de jurisdição superior. precedentes. Medida cautelar deferida.

A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da Lei nº 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). Daí resultar inadmissível, em face dessas garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável.
O Juiz negou a liberdade provisória ao paciente fundado tão-somente no artigo 44 da Lei nº 11.343/06 (fl. 25 do apenso -- numeração do STJ).
Excepciono a Súmula 691/STF e concedo a liminar a fim de que o paciente seja posto imediatamente em liberdade, até o julgamento definitivo deste habeas corpus. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 17 de setembro de 2009. Ministro Eros Grau. - Relator -.
Mais recentemente, no julgamento do HC 101.261, o Ministro Celso de Mello, afirmou que “apenas a natureza do crime não justifica a manutenção da prisão cautelar e a proibição ‘apriorística’ de concessão de liberdade provisória não pode ser admitida, pois é manifestamente incompatível com a presunção de inocência e a garantia do ‘due process’ (devido processo legal), dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito”. Observou anda o eminente Ministro que “no curso de processos penais, o Poder Público não pode agir ‘imoderadamente’, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade”.
Por fim, para o ministro Celso de Mello, é inadequada a fundamentação da prisão com base no artigo 44 da Lei de Tóxicos, principalmente, depois de editada a Lei 11.464/2007, “que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que a paciente deveria ser mantida presa, ‘ante a imensa repercussão e o evidente clamor público’ e para ‘acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça’.” (fonte: http://www.conjur.com.br/2009-nov-13/stf-concede-liberdade-presa-provisoria-trafico-drogas).
No mesmo entendimento, mais recentemente ainda (09.03.2010), entendeu o STJ que é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não obstante a vedação à liberdade provisória contida na nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. CUSTÓDIA MANTIDA EM RAZÃO DA VEDAÇÃO LEGAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA.
1 - A Sexta Turma desta Corte tem reiteradamente proclamado, ressalvado o meu entendimento pessoal, que, mesmo na hipótese de crime de tráfico de entorpecentes - hediondo por equiparação -, é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não obstante a vedação à liberdade provisória contida na nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006, eis que entendido que a liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por imperativo constitucional, é a regra, não a exceção.
2 - Mantida a custódia cautelar do paciente em razão da vedação legal, tecendo o magistrado, ainda, considerações de ordem genérica a respeito da necessidade de resguardo da ordem pública, sem qualquer demonstração concreta da imperiosidade da medida, fica evidenciado o constrangimento ilegal.
3. Habeas corpus concedido.
HC 155380 / PR - HABEAS CORPUS 2009/0234838-7 – Relator: Ministro HAROLDO RODRIGUES (Des. Convocado do TJ/CE) - Órgão Julgador: Sexta Turma - Data do Julgamento: 09/03/2010 - Data da Publicação/Fonte: DJe, 05/04/2010.

Pois bem, no caso em exame, o acusado fez prova documental de que é primário, tem endereço certo nesta cidade e apresentou documentos que fazem prova da regularidade de sua vida civil. Confessou, é verdade, que portava 38 (trinta e oito) pedras de crack para vender e quitar a compra de uma motocicleta. Não se pode concluir, apesar disso, que sua liberdade, considerando sua conduta e antecedentes, represente perigo à ordem pública, em que pese a argumentação do ilustre Promotor de Justiça neste sentido
Isto posto, em que pese a falta de clareza e pobreza de argumentos do pedido, vez que sequer questionou a inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei de Tóxicos, não havendo motivos para decretação da prisão preventiva do acusado, com fundamento no artigo 5º, LXV e LXVI, da CF, DEFIRO o requerimento para lhe conceder a Liberdade Provisória com a condição de não se ausentar da cidade e comparecer aos demais atos processuais, sob pena de decretação de sua prisão preventiva.
Expeça-se o Alvará de Soltura.
Intime-se.
Conceição do Coité, 16 de abril de 2010
Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito


sexta-feira, 16 de abril de 2010

CNJ e STF, motivos para orgulhar-se???


Caros,
hoje foi veiculada uma reportagem pelo STF e CNJ, em tom de "orgulho" pelo Mutirão Carcerário do CNJ que "permitiu a liberação de 20 mil presos em 1 ano e 7 meses". Sinceramente, fiquei boquiaberto com tal "conquista". Ora bolas! Vamos acordar para a realidade tchê! Não se trata de uma permissão, de um favor, mas de reconhecer o direito fundamental à liberdade em casos de clara violação desse direito máximo (o qual só pode ser restringido cumprido diversos requisitos e desde que respeitadas certas garantias fundamentais).
Imaginem o absurdo de reconhecer como "orgulho" o tratamento absurdo dado pelo sistema de justiça criminal brasileiro a esses 20 MIL (não são apenas 2 ou 20, mas 2o MIL mesmo) seres humanos.
Seres humanos que, ou foram condenados e cumpriram suas penas e ainda permaneceram presos, ou indiciados ou réus que estavam presos ilegalmente. Em nenhuma hipótese vislumbramos felicidade. Mas sim, tristeza e incredulidade. Ficamos realmente triste com isso.
Contudo, como falado, relatado e noticiado, classificação é de que isso é como se fosse uma permissão a essas pessoas??? Nossa (!), desculpem o desabafo, mas há algo muito errado na lógica do sistema. Isso já sabemos e criticamos justamente buscando um aperfeiçoar do sistema de justiça criminal. Mas a indignação e tão grande que o erro ganha uma amplitude semântica tão grande justamente pela simplicidade da palavra, ao expressar a incredulidade.
Isso não é um motivo de orgulho. Muito pelo contrário, é um motivo de indignação e lamentação. Aliás, 20 MIL motivos de indignações e lamentações. 20 MIL em 1 ano e 7 meses apenas.
Nossa Carta Magna (muitas e muitas vezes esquecida nas delegacias, nos fóruns, nos gabinetes, nas repartições públicas, e não apenas nesses espaços físicos, mas por aqueles que mais devem zelar por ela) determina e funda um sistema de garantias fundamentais os quais são irrenunciáveis e não são negociáveis. É o mínimo dos mínimos para se coadunar com o preceito fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro: a dignidade da pessoa humana (e aqui ela tem um conceito totalmente fechado não permitindo abertura).
Os direitos e garantias fundamentais devem ser preservados, respeitados e garantidos. Dissemos e repetimos: não se trata de permissão como se fosse uma baita concessão, um favor prestado pelo Poder Judiciário. Não. O Poder Judiciário deve cumprir sua missão no processo penal ao determinar (vejam que é uma ordem) a máxima (não a mínima ou nenhuma) efetividade às garantias de todos aqueles que se sentam no banco dos réus. Essa é a função instrumental do processo penal no caminho entre o delito e a pena. O processo penal é imprescindível, ou seja, ele é necessário para ligar o delito à pena. Todavia, não é qualquer processo que serve à Democracia. A tutela jurisdicional que se quer é uma tutela jurisdicional efetiva. E para isso, a jurisdição deve ser respeitada, a gestão da prova deve ser respeitada, a presunção de inocência deve ser respeitada, o contraditório e a ampla defesa devem ser respeitados, e a motivação das decisões judiciais deve ser respeitada. Não basta respeitá-las em apenas um ou dois processos. Mas deve ser respeitada em todos os processos por todos os magistrados e Magistrados. Aqui existe outra ordem: o dever, e não a faculdade.
Desculpem-me o CNJ e o STF, mas não consigo ver ninguém de "parabéns" por isso tudo. Por essas 20 MIL situações e por todas as outras que ainda permanecem no limbo como sabemos. Agora perguntamos: até quando vamos ficar "parabenizando" uma moral fajuta dessas, como se fosse um comportamento superior, em que aqueles que devem cumprir suas funções, simplesmente, não as cumprem??? Até quando vamos ficar "reconhecendo o valor"de alguém ou de alguma instituição por apenas cumprir o seu dever???
Sinceramente, gostamos das palavras proferidas ontem pelo próximo Presidente do Pretório Excelso, o Ministro Cezar Peluso, ao afirmar que "o que se faz com preso no Brasil é um crime do Estado contra o cidadão". Pois é, mas como no Brasil ninguém pode ser privado da sua liberdade sem uma autorização escrita e fundamentada emitida pela autoridade judiciária competente (salvo o flagrante delito, mas logo após a lavratura o magistrado deve se pronunciar sobre o "status libertatis" - o que é esquecido - ?), quem coloca o réu dentro do cárcere é o juiz. Então, até quando vamos ficar fugindo das nossas responsabilidades??? Até quando vamos ficar permitindo que as prisões provisórias sejam banalizadas??? Até quando vamos ficar permitindo as escutas telefônicas ilegais??? Até quando vamos ficar fechando os olhos para os problemas da Justiça Criminal brasileira??? (suspiro)
Esperamos que o Ministro Cezar Peluso não esqueça (nem como magistrado, nem como cidadão e nem como líder da Suprema Corte brasileira) que há muito trabalho a ser feito e muito pouco para se vangloriar (o Ministro Gilmar Mendes foi eleito o homem do ano - pasmem!). Pois as violações de direitos e garantias fundamentais de apenas uma pessoa afetam toda a coletividade. Afetam cada um de nós, e isso sim gera a descrença e a descredibilidade do Poder Judiciário, e não a não aplicação da "tolerância zero" como fazem alguns magistrados que vestem a toga de justiceiros da sociedade, olvidando (de propósito) direitos e garantias fundamentais de todos (o réu não é o inimigo).
Sinceramente, não consigo imaginar o mínimo de glória para o CNJ no caso desses 20 MIL seres humanos que estiveram presos ilegalmente. 20 MIL processos. Por quantos operadores do Direito esses 20 MIL processos passaram? Por quantos representantes do Ministério Público? Por quantos Juízes de Direito? Por quantos Advogados? Por quantos Tribunais? Ou o que é pior, não ter passado por absolutamente nada nem ninguém (relembrando o caso de MG do Sr. Marcos Mariano da Silva - preso por 13 anos sem inquérito e sem processo), estando provado o fracasso e a falência do sistema de Justiça Criminal brasileiro.
Se o ano de 2010 será o "Ano da Justiça Criminal", já começamos o ano tarde. Pois embora o reveillon já tenha passado, o carnaval passou, o coelinho da páscoa já deixou seus chocolates, o leão está aí, e continuamos de luto por essas 20 MIL pessoas que sofreram esses gravíssimos abusos cometidos diretamente pelo Estado. Aliás o ano ainda não começou, pois logo vem a copa do mundo, as férias de julho, o 7 de setembro, o 20 de setembro, as eleições e... OPS... o papai noel desce pela chaminé e com ele leva o "Ano da Justiça Criminal", pois as decisões que continuam saindo...

Tenham todos uma ótima sexta-feira à noite!! Porque agora, vamos comemorar com os amigos, porque hoje é sexta-feira e é Dia dos Amigos. Contudo, não ficaria tranquilo com tamanha barbaridade tchê, e sem antes, falar umas verdades.

Forte abraço,


Prof. Matzenbacher





Mutirão Carcerário do CNJ já permitiu a liberação de 20 mil presos em um ano e sete meses

O Mutirão Carcerário, criado em 2008 por iniciativa do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, já permitiu, no período entre agosto daquele ano e abril de 2010, a expedição de alvarás de soltura de 20 mil presos que já haviam cumprido a pena a que foram condenados ou se encontravam privados de sua liberdade ilegalmente.

Este é um dos dados apresentados, nesta sexta-feira (16), no 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime Justiça Criminal, que se realiza em Salvador (BA), pelo conselheiro do CNJ Walter Nunes e pelo juiz federal auxiliar do STF, Jairo Schäfer.

Segundo Jairo Schäfer, o Brasil, com 473 mil presos, tem uma das mais altas taxas carcerárias do mundo, superadas apenas por poucos países, entre os quais a Rússia e os Estados Unidos. Segundo ele, o mutirão carcerário já permitiu a análise de 112 mil processos desses presos e a concessão de 34.600 benefícios, incluindo alvarás de soltura ou progressão do regime de prisão para semiaberto (com possibilidade de trabalhar fora, retornando ao presídio à noite) ou aberto, com o preso podendo dormir em casa, mas se apresentando periodicamente à autoridade policial. Com isso, já se começou a aliviar os excessos da população carcerária.

Eles informaram, ainda, que o programa “Começar der Novo”, também criado por iniciativa do atual presidente do CNJ e STF com objetivo de permitir a reinserção de ex-presos na sociedade, oferecendo-lhes emprego, já permitiu colocar em postos de trabalho 2.000 presos e que a expectativa é aumentar esse número para 7.000, até o fim deste ano.

Informaram, ainda, que o CNJ declarou o ano de 2010 “Ano da Justiça Criminal”, significando a importância que decidiu atribuir ao tema. Amanhã, o ministro Gilmar Mendes participará dos debates de alto nível do Congresso, em que se negocia a redação da “Declaração de Salvador”, o documento final a ser divulgado segunda-feira, por ocasião do encerramento do evento.

Mutirões

O conselheiro do CNJ Walter Nunes informou que os mutirões carcerários foram consequência de inspeções públicas realizadas por iniciativa do conselho e que “revelaram uma inconsistência muito grande no funcionamento da Justiça criminal”. Então, para sanar ou minorar os problemas encontrados, o CNJ criou um grupo de trabalho incumbido de elaborar um plano estratégico específico para as varas criminais.

A partir da constatação de que, no complexo sistema judiciário brasileiro, composto por tribunais, todos eles com autonomia, não havia um compartilhamento de experiências, nem mesmo a definição da estratégia para enfrentar o problema, que na verdade é global, concluiu-se que, para obter melhores resultados, a Justiça como um todo precisa atuar com maior sintonia.

Segundo Nunes, constatou-se, também, que um grande problema da execução penal é a falta de controle da população carcerária. Havia – e ainda continua havendo – presos já com direito a benefício que não deveriam mais estar na prisão. Por outro lado, o sistema de regime aberto de cumprimento de pena é inadequado. Isto porque, além de o formato atual não servir para ressocializar o preso, as pessoas sob este regime não são controladas ou monitoradas quando em liberdade.

Diante disso, o CNJ propôs ao Congresso Nacional a introdução do monitoramento eletrônico dos presos, já em vigor em alguns países, mas ainda em debate no Brasil. Nesta quinta-feira, o ministro do STF Cezar Peluso, que também participou do Congresso e preside grupo latino-americano que elaborou proposta de uma convenção internacional destinada a tornar obrigatória a obediência de regras mínimas no tratamento de presos, ponderou que a questão precisa ser bem analisada, levando em consideração os direitos humanos do preso.

Processo eletrônico

Na próxima segunda-feira, será inaugurado, em Natal, o sistema de processo eletrônico elaborado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Recife. Segundo o conselheiro do CCJ Walter Nunes, o modelo do TRF-4 é melhor até agora desenvolvido e será implantado em todo o país.

Com a generalização do processo eletrônico, a Justiça ganhará mais celeridade, o que possibilitará acelerar, também, a revisão dos processos dos detentos. Ele funcionará 24 horas por dia, todos os dias da semana. Isto significa que qualquer advogado que quiser acessar um processo poderá acessá-lo a qualquer hora, e um juiz, mesmo se encontrando fora do país, poderá dar despachos em processos a ele afetos.

Walter Nunes observou que “o grande o problema da prestação da atividade jurisdicional em país de dimensões como o Brasil reside na questão da comunicação”. Ele exemplificou essa dificuldade, no modelo tradicional, por exemplo para ouvir uma pessoa na Amazônia ou no Nordeste, se o processo está tramitando no Sul.

Lembrou que vários juízes já adotam, por exemplo, a videoconferência, sem necessidade de deslocamento do preso para o local da audiência. Por outro lado, a saída do modelo tradicional para o eletrônico dá maior consistência, principalmente em recurso, quando o processo vai para instâncias superiores, pois permite o contato direto com a prova da forma como ela foi produzida.

Nunes apontou, também, as transformações que o novo sistema permitirá na comunicação em regime de plantão, quando ocorre a prisão de alguém em flagrante. Segundo ele, a ação própria da autoridade policial é momento extremamente crítico. É quando a pessoa está no cárcere, sem que tenha havido uma determinação judicial. Portanto, requer rapidez.

No modelo tradicional, a polícia manda um calhamaço de papel para o Judiciário. No regime de plantão, seja qual for a hora, o juiz encaminha o processo para o Ministério Público (MP), e depois ocorre toda a triangulação de retorno da forma de tramitação desses documentos. Na forma eletrônica que começa a ser utilizada por alguns juízes, tudo isso se faz por essa via: na hora em que a autoridade policial encaminha o processo para o juiz, ela já a encaminha para o MP. Isso abrevia, em muito, o tempo de apreciação final dos processos.

Nunes lembrou que, no CNJ, todos os processos são eletrônicos.

Fonte: STF (em 16 de abril de 2010)