quarta-feira, 29 de abril de 2009

Polícia prende falso médico suspeito de tratar traficantes

Caros alunos,
essa reportagem é endereçada aos alunos de Direito Penal IV. Trata-se de um exemplo prático da prática de "exercício ilegal da medicina", tipificado no artigo 282, do Código Penal.
Boa leitura!

Prof. Matzenbacher


Polícia prende falso médico suspeito de tratar traficantes

Segundo as investigações, ele tratava de criminosos na Vila Cruzeiro. 
O logotipo da Santa Casa era usado para prescrever prontuários.


 

Um homem que se passava por médico foi preso na tarde desta quarta-feira (28) em um consultório na Vila Cruzeiro, na Penha, subúrbio do Rio.

 


Segundo as investigações, o suspeito tratava de traficantes da favela, e prestava serviços em uma ONG (organização não governamental) e também em um centro social na região.

 

De acordo com a polícia, o falso médico já havia cumprido pena por exercício ilegal de medicina no estado de Pernambuco. Durante a ação, a polícia apreendeu carimbos, receitas e equipamentos usados nas consultas. 

 

 


Segundo o delegado José Luiz Duarte, titular da 1ª DP (Praça Mauá), o suspeito será autuado pelo crime de exercício irregular de medicina, e poderá pegar até dois anos de detenção.

 

Logotipo da Santa Casa

 

Além de usar nome falso, o suspeito utilizava o logotipo da Santa Casa de Misericórdia nas receitas que prescrevia. 

 

Segundo nota divulgada na tarde desta quarta-feira pela assessoria da Santa Casa de Misericórdia, o falso médico nunca teve qualquer vínculo empregatício com a instituição.

 

Ainda de acordo com a assessoria da Santa Casa, prontuários assinados pelo suspeito e timbrados com o logotipo da Santa Casa chegaram ao conhecimento da direção da instituição, que encaminhou a denúncia à 1ª DP. 

Fonte: G1, no Rio, com informações da TV Globo. 



STF - Ministro Celso de Mello nega pedido de habeas corpus de deputado investigado

Caros alunos,
a reportagem abaixo é endereçada aos alunos de Direito Penal I, especialmente. Isso porque, trata-se de uma decisão sobre a aplicação da lei penal em relação às pessoas, especificamente, sobre a imunidade formal de um parlamentar. É um ótimo exemplo para visualizarem, na prática, como se dá a aplicação de tal imundade.
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher


Ministro Celso de Mello nega pedido de habeas corpus do deputado Edmar Moreira

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu pedido de liminar formulado em favor do deputado federal Edmar Moreira (DEM-MG) no Habeas Corpus (HC) 98777. A defesa pedia a extinção de um inquérito (INQ 2584) que tramita contra o parlamentar no STF.

O inquérito, que se encontra na pauta de julgamentos desta próxima quinta-feira, apura a suposta prática de apropriação indébita de contribuições previdenciárias (artigo 168-A do Código Penal), por parte do deputado, nos períodos de março de 1997 a fevereiro de 1998 e de julho a dezembro (incluída a referente ao 13º salário) do mesmo ano.

A defesa do parlamentar alega que os débitos previdenciários foram regularmente parcelados, em 26/04/00, através de adesão ao Programa de Recuperação Fiscal – Refis. Assim, deve ser aplicada ao caso a legislação posterior, mais benéfica, na qual a adesão ao Refis extinguiria a possibilidade do parlamentar ser punido pelo não pagamento das contribuições, destaca a defesa.

Portanto, o pedido de habeas corpus pretende extinguir o inquérito contra o deputado, uma vez que o parcelamento do débito descaracterizaria a conduta como criminosa e impediria uma eventual punição.

Decisão

Ao analisar o pedido de liminar, o ministro Celso de Mello ressaltou que a instauração de inquérito “não constitui, só por si, situação caracterizadora de injusto constrangimento, notadamente quando iniciada por denúncia consubstanciadora de descrição fática cujos elementos se ajustem, ao menos em tese, ao tipo penal”.

Celso de Mello salientou, ainda, que, para o reconhecimento da ausência de justa causa para instauração de inquérito, não pode haver qualquer situação de iliquidez ou dúvida objetiva em relação à existência do crime ou sobre quem tê-lo-ia praticado, o que não se mostra constatável, desde logo, no presente caso, especialmente em sede de análise de liminar.

Explicou, ainda, que a legislação aplicada à época dos fatos (8.137/90) exigia o pagamento integral do débito, antes do recebimento da denúncia, para que o inquérito fosse declarado extinto.

Por fim, o decano da Corte assinalou que consta do próprio pedido de habeas corpus a informação de que a empresa do deputado foi excluída do Refis, o que demonstraria a insuficiência da simples adesão para efeito de extinção da punibilidade do referido parlamentar, com o consequente e indevido trancamento do inquérito 2584.

Inquérito 2584

O inquérito (INQ 2584) contra o parlamentar é de relatoria do ministro Carlos Ayres Britto e se encontra na pauta de julgamentos do Plenário para quinta-feira (30).

Nesse julgamento, o Plenário decidirá se recebe a denúncia do Ministério Público e torna o parlamentar réu em ação penal que irá apurar sua conduta ou se rejeita a denúncia e extingue o inquérito, excluindo o deputado de sanções penais pela ausência de indícios da prática delituosa.

Leia a íntegra da decisão.

LF/EH

Processos relacionados
Inq 2584
HC 98777

Fonte: STF

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O Novo Manual do Torturador

Caros alunos.
vejam artigo de opinião publicado hoje, pelo jornalista Mauro Santayana, no Jornal do Brasil. 
Vale a pena a leitura para reflexão e despertar o espírito crítico!
Boa leitura,

Prof. Matzenbacher


Coisas da Política: o novo manual do torturador.
Mauro Santayana - jornalista
23/04/2009 

O primeiro suspeito de participar do atentado de 11 de Setembro, Abu Zubaida, foi submetido ao afogamento simulado 83 vezes.  Na 84ª, confessou.  Jalid Sheji Mohamed teve que ser submetido ao mesmo processo 183 vezes.  Ao lado, com o bisturi afiado, um cirurgião velava: se fosse necessário, os interrogados seriam submetidos a rápida traqueostomia, como informou o New York Times, em editorial.


Os interrogatórios, realizados pelos órgãos de segurança e das Forças Armadas dos Estados Unidos, fazem lembrar os utilizados pela Inquisição Romana (no século 13) e pela Inquisição Espanhola (a partir do fim do século 15).  Revela-se agora que, antes mesmo da prisão do primeiro suspeito dos atentados de 2001, já havia sido elaborado um manual do torturador - semelhante ao Directorium inquisitorum, do famoso inquisidor de Aragon, Nicolau Eymerich, que ocupou, na Inquisição Espanhola, o papel que desempenharia, em seguida, o mais notório ainda Torquemada.  O Manual dos inquisidores, com instruções posteriores, ensinava as técnicas de tortura e o emprego dos instrumentos, como capacetes que dispunham de parafusos, a fim de apertar o crânio do "examinado", a conhecida "roda", que espichava os braços e pernas, e o emprego de instrumentos perfurantes.  Só a morte, durante o processo inquisitorial, livrava os suspeitos da prisão perpétua (como clemência) ou da fogueira.  Torquemada também redigiu suas instruções, e ampliou a competência da Inquisição para além da heresia, a fim de punir pecados profanos, como a sodomia, a poligamia, o adultério - e mandou 2 mil pessoas para a fogueira.


O presidente Obama, pressionado pela opinião pública, autorizou, com alguma relutância, a investigação dos atos de tortura cometidos pelos agentes americanos, com a recomendação de que não sejam identificados os que cumpriram ordens mas, sim, os que as elaboraram e as emitiram.  Ao fazê-lo, o presidente lamenta que os Estados Unidos tenham perdido os valores morais, em um dos capítulos mais difíceis de sua História.  O presidente se equivoca: os valores morais dos Estados Unidos nunca foram levados em conta pelos seus governos, quando se tratava de estrangeiros.  Truman não titubeou em empregar a bomba atômica contra Hiroxima, queimando, na grande fogueira, 80 mil não combatentes.  É provável que não conhecesse o efeito devastador do engenho no dia 6 de agosto, quando houve o bombardeio, mas já o conhecia quando determinou o ataque a Nagasaki, três dias depois.


O presidente Kennedy tampouco levou em conta os "valores morais" da América, quando autorizou o emprego da dioxina contra os arrozais e as selvas do Vietnã, determinou o ataque à Bahia dos Porcos e decidiu que João Goulart deveria ser deposto, conforme revelações do Departamento de Estado.  Recorde-se que, em 64, os americanos enviaram a Minas e ao Uruguai o agente Dan Mitrioni, a fim de ensinar técnicas de tortura.  Que valores morais determinaram a cooptação dos golpistas que mataram Salvador Allende, eleito de acordo com as regras da democracia norte-americana?


A sua história tem sido a do confronto permanente entre os princípios dos peregrinos puritanos, que permanecem latentes em parte de sua sociedade, e as razões do capitalismo imperial, que os negam.  Algumas vezes (e este momento parece ser uma delas), cidadãos norte-americanos atuam e reclamam o retorno àqueles valores - mas a plutocracia se rearticula e reconduz o Estado a seu serviço.


Bush, Rumsfeld e Cheney parecem ter sido os responsáveis diretos pela ordem de torturar em Guantánamo, Abu Ghraib e em dezenas de prisões clandestinas em torno do mundo e em navios que ainda vogam, com prisioneiros, no Pacífico.  Eles continuarão tranquilos, e só poderão ser punidos pela História - como os que, a serviço dos Estados Unidos, autorizaram a tortura aqui e em outros lugares.  Não se fale nas formas particulares de tortura infligidas nas mulheres vietnamitas, com emprego de serpentes, que eram introduzidas em seus corpos.  O uso dos animais continua, com os cães de Abu Ghraib e a imobilização dos interrogados em caixas com insetos.


Enquanto Obama fala em valores morais, os bancos voltam a ganhar dinheiro e a desviar, para novas falcatruas, parte do capital que receberam dos contribuintes, conforme investigação do Congresso, em 20 inquéritos e seis auditorias.  Pelo menos lá os banqueiros não se sentem tão à vontade diante do Congresso - como se sente, aqui, o senhor Daniel Dantas.




sexta-feira, 17 de abril de 2009

CONVITE para o lançamento da obra "Direito e Literatura: o encontro entre Themis e Apolo" em PVH-RO


Caros alunos,

na próxima segunda-feira, 20/04/2009, às 19:00 no Auditório do Campus III da UNIRON - Porto Velho Shopping, acontecerá a primeira participação neste ano do Curso de Direito no Projeto "GRANDES DEBATES UNIRON", contando com as palestras dos professores gaúchos Germano André Doederlein Schwartz e Renata Almeida da Costa. 
Após as palestras, ocorrerá o lançamento da obra "Direito & Literatura: o encontro entre Themis e Apolo", livro do qual, inclusive, há um capítulo escrito por mim e pelo nosso ex-estagiário, além de capítulos escritos pelos palestrantes. Portanto, reforço o convite para que todos participem! Lembrando a capacidade máxima do auditório: 350 pessoas!
Bom final de semana de estudos,

Prof. Matzenbacher



Exercícios de fixação - Direito Penal I - CORRIGIDOS

Caros alunos,
abaixo, seguem os exercícios de fixação de Direito Penal I, devidamente corrigidos.
ESTUDEM TCHÊ!
abraços,

Prof. Matzenbacher


1. Diferencie Direito Penal objetivo de Direito Penal subjetivo.

O Direito Penal objetivo, conhecido como ius poenale, consiste no direito estatal em ditar as normas penais. Já o Direito Penal subjetivo, conhecido como ius puniendi, constitui no direito que o Estado tem da possibilidade de punir.

 

2. Qual a importância da Constituição para o Direito Penal?

A Constituição Federal é o grande guia de todo o ordenamento jurídico. Logo, também serve (e deve servir) de luz para o Direito Penal em todas as suas fases de aplicação e interpretação: legislativa, judicial e executiva. Especificamente no que tange ao Direito Penal, a Constituição Federal de 1988 determina vários princípios os quais devem ser observados quando da intervenção penal, a começar pela dignidade da pessoa humana. Entretanto, além de princípios, a Carta Magna contém inúmeros dispositivos penais específicos à matéria criminal, contendo, inclusive, mandados de criminalização. Assim, analisando essa relação axiológico-normativa, tem-se que a Constituição impõe três paradigmas ao Estado: proibição do excesso; fonte valorativa; e, fundamento normativo.

 

3. Explique a importância e os caracteres do princípio da legalidade no Direito Penal brasileiro.

O princípio da legalidade é a estrutura fundamental do Direito Penal, previsto no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal, e também no artigo 1º, do Código Penal. Tal princípio se caracteriza pela reserva legal em matéria penal e também pela anterioridade de lei no que tange a definição dos comportamentos criminosos e suas respectivas penas. Os caracteres são os seguintes: nullum crimen nulla poena sine lege praevia; nullum crimen nulla poena sine lege escripta; nullum crimen nulla poena sine lege stricta; e, nullum crimen nulla poena sine lege certa.

 

4. O que se entende por dignidade da pessoa humana e qual sua importância para o Direito Penal?

A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro. Logo, é considerada como um valor-guia de todo o ordenamento jurídico e sua conseqüente aplicação no Direito Penal. Trata-se do respeito a condição humana em todo o agir estatal, máxime quando do exercício do ius puniendi. Assim, vários princípios constitucionais penais afloram da dignidade da pessoa humana, como por exemplo, o princípio da humanização e todos seus corolários lógicos, bem como a vedação da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradante, e a vedação da pena de morte e de caráter perpétuo.

 

5. Explique o princípio da intervenção mínima do Direito Penal.

O princípio da intervenção mínima se estrutura a partir do controle social formal, justificado que o Estado utilize o Direito Penal somente quando os outros ramos do Direito não conseguirem cumprir seu papel de violação de bens jurídicos fundamentais. Há que se ressaltar que a um Direito Penal mínimo não se contrapõe um Direito Penal minimamente necessário, conforme já analisado no texto sobre “Direitos Fundamentais e Direito Penal”. Tal princípio possui duas funções: a subsidiária, como um remédio sancionador extremo; e a fragmentária, na qual reveste-se de sentido que somente os ataques mais graves aos bens jurídicos fundamentais vai estar legitimada a intervenção penal.

 

6. Por que o uso cada vez mais freqüente da sanção criminal não implica maior proteção de bens jurídicos?

Pois isso significa “mais do mesmo”. As condutas puníveis já possuem penas determinadas quando do próprio desvalor do resultado e a conseqüente violação de um bem jurídico-penal. Assim, é necessário que haja alternativas ao Direito Penal, especialmente na execução penal. Entretanto, somente com uma interpretação a partir e conforme a Constituição será possível melhorar, gradativamente, o sistema de justiça criminal brasileiro como um todo.

 

7. Justifique o conteúdo mandamental das normas penais não-incriminadoras.

As normas penais não incriminadoras não tipificam condutas puníveis, mas são aquelas em que há a formulação de proposições jurídicas das quais se extrai um conteúdo da respectiva norma. Tais normas são encontradas na Parte Geral do Código Penal, bem como também na legislação extravagante. Assim, essas normas servem de complementação e explicação para auxiliar na interpretação e aplicação do Direito Penal.

 

8. Por que o uso da técnica legislativa da norma penal em branco pode ensejar ofensa ao princípio da intervenção penal legalizada?

As normas penais em branco são aquelas em que a conduta punível não vem expressada de forma clara e precisa no tipo penal, necessitando de uma complementação legislativa buscada em outro ramo do ordenamento jurídico. E, como a legalidade é assegurada tanto na Constituição Federal, quando no Código Penal, traduzindo-se pela necessidade de lei anterior para definir crimes e impor penas, nas normas penais em branco faltam caracteres da legalidade, e por isso, enseja ofensa a tal princípio.

 

9. Em que consiste a extratividade da lei penal mais benéfica?

A regra geral da aplicação da lei penal no tempo é a atividade, isto é, começará a surtir seus efeitos a partir de sua vigência. Entretanto,  tratando-se de lex mitior, a qual beneficia o réu, será possível a retroatividade da lei penal, nos termos do artigo 5º, inciso XL.

 

10. Qual o significado da ultatividade gravosa das leis penais excepcionais ou temporárias?

A regra geral no que tange a aplicação da lei penal no tempo é a atividade. Entretanto, em alguns casos é admitida a extratividade, através da retroatividade ou da ultratividade. A ultratividade da lex gravior existirá nos casos das leis penais excepcionais e temporárias, visto que tal lei não considera somente a conduta punível, mas também as situações anômalas para suas edições, denotando que esse conteúdo temporal integra a própria tipicidade da norma penal.

 

11. De acordo com a Emenda Constitucional 35/2001, como ficou a imunidade processual dos parlamentares em matéria de crime comum?

Antes da EC 35/2001, para iniciar o processo penal era necessária a autorização da respectiva Casa Legislativa, da Câmara para os Deputados Federais e do Senado para os Senadores. Com o advento da alteração constitucional, o marco representativo foi que, desde 2001, os parlamentares serão denunciados e, se o STF receber a denúncia, mandará à Casa respectiva para que, pelo voto da maioria de seus membros, poderá sustar o andamento da ação.

 

12. Um avião privado brasileiro sai de Porto Velho (Brasil) com destino a Buenos Aires (Argentina). Ao fazer uma escala em Brasília (Brasil), entram no vôo 4 parlamentares, sendo 1 senador e 1 deputado estadual do partido “A” e 1 vereador e 1 deputado federal do partido “B”. Ao ingressar no espaço aéreo argentino, os parlamentares começam a discutir, politicamente, e o  senador acaba desferindo impropérios ao vereador, injuriando-o. Não satisfeito com a situação, o deputado federal sai em defesa de seu correligionário e acaba provocando lesões corporais dolosas no deputado estadual. Diante dessa situação hipotética, analise a aplicação da lei penal no espaço, bem como, se os parlamentares estão albergados por alguma imunidade ou foro privilegiado e quais as ações respectivas.

A regra geral é a da territorialidade, sendo que o território é constituído pela superfície terrestre, abrangendo o solo e o subsolo, pela superfície marítima e pelo espaço aéreo, havendo ficção jurídica para a extensão do território nacional para embarcações e aeronaves. No caso proposto se trata de uma aeronave provada brasileira a qual tem destino à Argentina. Então, a regra geral de aplicação deveria ser a lei argentina, visto que os delitos ocorreram no território argentino. Todavia, carece de interesse a aplicação da legislação argentina nesse caso, devendo ser aplicada a lei brasileira de acordo com o princípio da bandeira.

A conduta do senador que injuria o vereador, estará albergada pela imunidade material assegurada pela CF/88, no artigo 53 caput.

A conduta do deputado federal que causa lesões corporais culposas no deputado estadual não estará albergada pela imunidade material penal prevista na Carta Maior, e responderá pelo delito do artigo 129, caput, do Código Penal (lesões corporais culposas), perante o STF, pois possui imunidade processual.

 

13. Como pode ser conceituado o delito sob as perspectivas formal e material?

Sob a perspectiva formal, considera-se crime toda ação ou omissão proibida por lei sob ameaça de pena. E sob a perspectiva material, considera-se crime toda ação ou omissão que contraria os valores ou interesses da sociedade, exigindo sua proibição com a ameaça de pena.

 

14. Qual é o conceito analítico de injusto penal?

Uma ação típica, antijurídica e culpável.

 

15. Qual a diferença entre “causalismo” e “finalismo” para o conceito de delito?

A principal diferença é que a “culpabilidade” para o causalismo é entendida como mero pressuposto de pena, enquanto que para o finalismo, a “culpabilidade” é elemento integrante do conceito de crime.


quinta-feira, 16 de abril de 2009

INÉDITO!!! Decisão da 5a. Câmara Criminal TJ/RS - Regime do Cumprimento da Pena

Caros alunos,
abaixo, segue DECISÃO INÉDITA sobre execução penal. O caso foi julgado ontem pela 5a. Câmara Criminal do TJ/RS, e trata-se de um novo paradigma para a questão criminal. O Acórdão foi remetido logo após o julgamento pelos Professores Salo de Carvalho, Renata Almeida da Costa e Germano Schwartz. 
Trata-se de um recurso de apelação promovido pela defesa, o TJ/RS manteve a condenação mas estabeleceu regime domiciliar para o cumprimento da pena privativa de liberdade enquanto a Casa Prisional não estiver adequada, rigorosamente, à LEP. 
Sem dúvidas, trata-se de um precedente importantíssimo no que tange à execução penal após o advento da Constituição Federal de 1988.
A leitura vale muito a pena!!!
Abraços,

Prof. Matzenbacher


Roubo majorado. Condenação: mantida ante a solidez probatória. Atenuante: pode deixar a pena aquém do mínimo (o artigo 65, Código Penal, fala em sempre, e sempre é sempre, pena de sempre não o ser. Majorante do uso de arma: excluída por inexistência de prova da potencialidade ofensiva do aparato. Recolhimento prisional: o condenado somente será recolhido a estabelecimento prisional que atenda rigorosamente aos requisitos impostos pela legalidade – Lei de Execução Penal. Legalidade: não se admite, no Estado Democrático de Direito, o cumprimento da lei apenas no momento em que prejudique o cidadão, sonegando-a quando lhe beneficie. Missão judicial: fazer cumprir, apesar de algum ranger de dentes, os direitos da pessoa – seja quem for, seja qual o crime cometido.

À unanimidade, deram parcial provimento ao apelo para reduzir a pena do acusado. Por maioria, determinaram que o apenado cumpra pena em domicílio enquanto não houver estabelecimento que atenda aos requisitos da LEP, vencido o Relator, que determinava a suspensão da expedição do mandado de prisão enquanto não houver estabelecimento que atenda a tais requisitos.

 

Apelação Crime

 

Quinta Câmara Criminal

70029175668

 

Comarca de Porto Alegre

RAFAEL SANTOS DE JESUS

 

APELANTE E

MINISTéRIO PúBLICO

 

APELADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo defensivo para reduzir a pena do apelante para quatro anos e três meses de reclusão, multa mínima, em regime carcerário semi-aberto; e, por maioria, em determinar que, enquanto não existir estabelecimento destinado ao regime semi-aberto que atenda a todos os requisitos da LEP, o réu cumprirá sua pena em regime domiciliar, vencido o Relator, que definia que somente será expedido mandado de prisão se e quando houver estabelecimento carcerário que atenda a ditos requisitos da LEP. O juízo da execução fixará as condições da prisão domiciliar.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Aramis Nassif (Presidente e Revisor) e Des. Luís Gonzaga da Silva Moura.

Porto Alegre, 15 de abril de 2009.

 

 

DES. AMILTON BUENO DE CARVALHO,

Relator.

 

RELATÓRIO

Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)

Na Comarca de Porto Alegre, o Ministério Público denunciou Rafael Santos de Jesus como incurso nas sanções do artigo 157, §2º, I e II, do Código Penal.

 

Narra a inicial acusatória a prática do seguinte fato:

 

No dia 18 de março de 2005, por volta das 20h 15min, na Rua Upamaroti, 483, Bairro Cristal, nesta Capital, o denunciado, em comunhão de esforços e convergência de vontades com um elemento (não identificado) subtraiu, para si, mediante grave ameaça, exercida com o emprego de arma de fogo (não apreendida), coisas alheias móveis, consistentes em 01 (um) vídeo game, marca Play Station, avaliado em R$ 200,00 (duzentos reais); 01 (um) aparelho celular, marca Nokia, avaliado em R$ 50,00 (cinqüenta reais); 01 (um) aparelho celular, marca Sansung, avaliado em R$ 50,00 (cinqüenta reais); 01 (um) aparelho de DVD, marca Gradiente, avaliado em R$ 100,00 (cem reais); 01 (uma) máquina fotográfica, avaliada em R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais); 01 (um) porta CD, contendo diversos CD's, avaliado em R$ 20,00 (vinte reais); 01 (uma) mala, cor azul, avaliada em R$ 50,00 (cinqüenta reais), consoante auto de avaliação indireta de fl. 16, bem como a quantia de R$ 530,00 (quinhentos e trinta reais), em dinheiro, bens estes pertencentes às vítimas GILBERTO FIDÉLIS DA SILVA e ROGÉRIO LUIS ASSONI.

Por ocasião dos fatos, o denunciado estava jantando na residência das vítimas, juntamente com estas. Ao perceber que não havia refrigerante, uma das vítimas pediu para que o denunciado fosse buscar, o que foi atendido. O denunciado retornou à residência acompanhado de outro elemento e, empunhando revólveres, não apreendidos, anunciaram o assalto, passando a arrecadar os objetos acima descritos. Ato contínuo, o denunciado e seu comparsa empreenderam fuga.

Diante disso, a vítima registrou ocorrência na delegacia.

A res furtivae não foi recuperada.

 

 

Após a instrução – recebimento da denúncia (em 14/07/2008, fl. 42), citação, interrogatório (fls. 48/50), defesa prévia, coleta da prova oral (fls. 71/74), ausência de requerimento de diligências e apresentação de alegações finais – sobreveio sentença (fls. 95 a 97/v) condenando o acusado como incurso nas penas do artigo 157, §2º, I e II, do Código Penal.

 

A pena-base foi fixada em 04 anos de reclusão. Pelo reconhecimento da majorante anunciada, foi aumentada em 2/5 e assim tornada definitiva, ante a inexistência de causas modificadoras. Total: 05 anos, 07 meses e 06 dias de reclusão, em regime semi-aberto, mais pecuniária de 20 dias-multa, à razão mínima.

 

Inconformada, a Defensoria Pública recorreu. Preliminarmente, suscitou a nulidade do processo em função da ausência de renovação do interrogatório ao final do rito, ante o advento da reforma processual penal (Lei 11.719/08). No mérito, pugnou pela absolvição ante a insuficiência probatória. Alternativamente, requereu a desclassificação do delito de roubo para furto, o afastamento das qualificadoras, o redimensionamento das penas e o afastamento da pena de multa.

 

Contra-arrazoado o apelo, vieram os autos a esta Corte.

 

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça, pelo Dr. José Pedro M. Keunecke, opina pelo improvimento do apelo.

 

É o relatório.

VOTOS

Des. Amilton Bueno de Carvalho (RELATOR)

Vênia da colega singular, dou parcial provimento ao apelo defensivo. Contudo, a reforma atinge o periférico: dosimetria da pena. A preliminar de nulidade suscitada vai rejeitada.

 

Explico.

 

A reforma instituída pela Lei 11.719/08 entrou em vigor quando o acusado já havia sido interrogado e a instrução ainda não tinha sido concluída. Ocorre que, ao final da oitiva das testemunhas (já sob o novo rito processual), nada foi requerido pelas partes (fl. 74) e a instrução foi declarada encerrada. Além disso, não foi aquele interrogatório considerado nulo – já que realizado no rito antigo, revestido da formalidade daquele tempo; regular, portanto.

 

Mesmo considerando o interrogatório realizado ao final da instrução como ato mais benéfico ao acusado, não cabe, a esse momento, declarar-se a sua nulidade se, quando praticado, vício algum o atingia. Ainda mais quando ao final da instrução, nada nesse sentido fora postulado – a defesa não requereu novo interrogatório. Assim, não se pode dizer que a oportunidade, não requerida, foi obstaculizada pelo juízo a quo. Tudo porque, oportunizada a fala última às partes, o silêncio delas findou por manifestar a anuência com o encerramento da instrução naquelas condições.

 

Pois bem.

 

A materialidade e a autoria do delito vieram consubstanciadas pelo boletim de ocorrência, pelo auto de avaliação indireta (fl. 20), pela confissão do réu e pelo restante da prova oral colhida.

 

Segundo as vítimas, o acusado, acompanhado de um terceiro não ouvido nesses autos, teria, mediante ameaça exercida pelo emprego de arma de fogo, subtraído a res descrita na inicial. O discurso de ambas é uníssono em atribuir ao acusado Rafael a autoria do delito. Segundo afirmaram, no dia do fato, o acusado se encontrava na casa delas e, ao sair para comprar um refrigerante, retornou acompanhado do terceiro, aí praticando o assalto.

 

O réu, por seu turno, em juízo, admitiu que na companhia desse terceiro subtraiu – sem qualquer violência ou ameaça - um aparelho de DVD das vítimas. Em sua versão, ele e tal sujeito não identificado foram à casa das vítimas para cobrar o pagamento de uma dívida – de origem sexual, não comprovada. Diante da negativa dos ofendidos em efetuar o pagamento de R$ 80,00, eles, os réus, na “mão grande” teriam pego o aparelho de DVD (fl. 49).

 

Da narrativa judicial feita por todos (réu e vítimas), emerge a prova de que tudo se deu em concurso de agentes. A dissonância se dá em relação à motivação do agir.

 

Assim posta a fática, opta-se pela fala das vítimas que tem valor especial em crimes da espécie, máxime quando, como aqui, não demonstrado interesse espúrio na incriminação.

 

Então, cuida-se, sim, de roubo em parceira – um apontava a arma enquanto outro desapossava as vítimas de seus bens.

 

Bem condenado, pois.

 

Ao exame da reprimenda.

 

Pena-base no mínimo – tal qual na sentença, não recorrida pelo MP.

 

 Presentes a menoridade e a confissão espontânea, a redução é de 09 meses: 03 pela confissão parcial e 06 meses pela menoridade – ciente de que as atenuantes podem deixar a pena aquém do mínimo. A redação do artigo 65 contempla a expressão “sempre”. E sempre é sempre, sob pena de sempre não o ser.  Ante o reconhecimento do concurso de agentes, o aumento é de 1/3 – afasto a majorante do emprego da arma de fogo porque não apreendida e não periciada. Nesse sentido, a Câmara já se pronunciou:

 

PERÍCIA. NECESSIDADE. 2. PROVA. PALAVRA DA VÍTIMA. 3. RECEPTAÇÃO. TRANSPORTE E  AQUISIÇÃO. VÍNCULO.

1. A revogação da Súmula 174 do e. STJ, com sua implicação no reconhecimento da exasperante, e, agora,  recente decisão do. STF, no RHC 81057/SP, julgado em 25.5.2004, que decidiu pela atipicidade da do delito de porte de arma (art. 10, Lei 9.437/97), à vista dos princípios da disponibilidade e da ofensividade, já que a arma de fogo seria inidônea para a produção de disparo, repercute na majorante do roubo, mormente quando  não foi apreendida e periciada a arma empregada, que, se não a desqualifica como ameaça nem retira o seu potencial de intimidação para realização do tipo, sua incerteza sobre sua eficácia lesiva  não é plataforma para a majorante do Art. 157, § 2º, I, do Código Penal. [...]”. (Apelação Crime n.º 70008203820, Rel. Des. Aramis Nassif,  5ª Câmara Criminal, TJRS, j. em 03.07.2004).

 

roubo majorado. materialidade e autoria comprovadas. afastamento da causa especial do aumento do emprego de arma. perícia não realizada. incerteza quanto à potencialidade lesiva. grave ameaça, no entanto, mesmo ASSIM, configurada. incidência da majorante do concurso de agentes. agravante da reincidência desconsiderada. pena redimensionada.

Apelação parcialmente provida.”(Apelação Crime 70008529109, Rel. Des. Marco Antonio Bandeira Scapini, 6ª Câmara Criminal, TJRS, j. em 13.05.2004)

 

 Final: 04 anos e 03 meses de reclusão, em regime semi-aberto, mais pecuniária de 10 dias-multa, à razão mínima – impossível ser afastada porque pena é.

 

Do cumprimento da pena de prisão.

 

O pacto constitucional assim está posto: cidadão que comete delito de roubo majorado responde pena em presídio (no caso concreto, o acusado, se viu, restou condenado a pena de quatro anos e três meses de reclusão, em regime carcerário semi-aberto) – a pena ora concretizada entre os limites postos pela legalidade.

 

É a primeira face do sistema – a sanção sofrida por agressão à lei penal. Aqui está a dor a ser infligida a ele.

 

A segunda face do cumprimento da pena imposta está no limite que o Estado impõe a ele mesmo, para que a arbitrariedade não se faça presente. Ou seja, a lei – limite ao poder desmesurado – que determina as condições que devem imperar no cumprimento da sanção corporal.

 

Aqui o Estado inibe, no viés constitucional, como direito e garantia fundamental, penas cruéis (art. 5, XLVII, “e”); “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (XLVIII); “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (XLIX); “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante” (III).

 

Na suma, a Lei Maior estabelece – diferente não poderia ser neste estágio civilizatório – o princípio da humanidade das penas!

 

Ao aterrissar o comando constitucional, a Lei de Execução Penal define explicitamente, nos artigos 82 a 95, as condições objetivas das unidades prisionais. Já nos artigos 40 a 43, fixa os direitos dos apenados.

 

Assim, vê-se, com obviedade, que o Estado deve punir aquele que agride a lei penal e, numa outra ponta, deve cumprir rigorosamente com as normas estabelecidas para o cumprimento das penas que ele impõe.

 

Ou seja, a legalidade tem dois vieses: um que determina a prisão (contra o cidadão) e outro que protege o apenado.

 

Tanto é assim que a própria LEP estabelece o incidente do “excesso ou desvio” da execução para as situações em que “algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares” (art. 185).

 

Todavia, tem acontecido – máxime no Estado Gaúcho – verdadeira autofagia sistêmica: com base na lei se condenam pessoas a pena de prisão (para prejudicar) mas no momento em que se deve beneficiá-las (condições prisionais), nega-se a legalidade. Algo intolerável, beirando a hipocrisia.

 

Todos, absolutamente todos, sabemos que o Estado é violador dos direitos da população carcerária. Todos, absolutamente todos, sabemos das condições prisionais. E mesmo assim confirmamos o sofrimento gótico que alcança os apenados.

 

Nos últimos tempos tudo é desvelado pela imprensa: juiz da execução penal, às lágrimas, denuncia que tem vergonha de ser gaúcho, ante o que acontece nos presídios; tentativa de responsabilização de juízes e promotores pelas condições prisionais; os presídios gaúchos estão como os piores da nação – o pior entre os piores do mundo!

 

A dor é tão antiga, tão denunciada, tão presenciada, tão acomodada, tão escamoteada, que é de pasmar que nunca tenha sido superada – e tudo aponta no sentido de que nunca será. E aqui a Câmara faz “mea culpa” por ter sido conivente com o sistema prisional.

 

É momento (tardio, talvez) de dar um basta. Ou seja, de se cumprir integralmente a legalidade (não apenas naquilo que prejudica o cidadão). Não se trata de se pregar anomia, mas sim de cumprir com a lei.

 

Há, repito, contradição insuportável em se condenar alguém com base na lei e, depois, negá-la no momento da execução da pena!

 

Aliás, Ferrajolli já denunciou que a história dos presídios é mais degradante que a história dos crimes!

 

Não se pode, jamais, tratar pessoa alguma (seja quem for, seja qual o delito cometido) como meio (coisa), mas como fim (pessoa), em atenção ao imperativo kantiano.

 

Assim, leciona Nilo Batista, “a racionalidade da pena implica tenha ela um sentido compatível com o humano e suas cambiantes aspirações. A pena não pode, pois, exaurir-se num rito de expiação e opróbrio, não pode ser uma coerção puramente negativa” (..) “Contudo, a pena que se detém na simples retributividade, e portanto converte seu modo em seu fim, em nada se distingue da vingança” (BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2005, p. 100).

 

Zaffaroni, ao invocar o princípio da humanidade, assevera que cabe ao julgador, diante as particularidades do caso concreto – o réu que sofre de grave enfermidade ou está próximo da morte; o que sofreu um acidente ou uma violência carcerária grave –, reconhecer a crueldade da pena e adequá-la de modo a atender aos ditames do referido princípio. Continua o autor, afirmando que “o princípio da humanidade das penas tem vigência absoluta e que não deve ser violado nos casos concretos, isto é, que deve reger tanto a ação legislativa – o geral – como a ação judicial – particular –, o que indicaria que o juiz deve ter o cuidado de não violá-lo” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direto Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: RT, 2004, p. 172).

  

Luigi Ferrajoli, também, afirma que a desumanidade das penas vai de encontro ao “princípio do respeito à pessoa humana” – da dignidade da pessoa  –, no sentido de que “cada hombre, y por conseguiente también el condenado, no debe ser tratado nunca como un ‘medio’ o ‘cosa’, sino siempre como ‘fin’ o ‘persona’”, isto é, “o valor de la persona humana impone una limitación fundamental a la calidad y a la cantidad de la pena.” (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Madrid: Editorial Trotta, 2001, p. 395). De tal modo, a legitimidade do Estado se funda “unicamente en las funciones de tutela de la vida y los restantes derechos fundamentales; de suerte que, conforme a ello, un estado que mata, que tortura, que humilla e un ciudadano no sólo pierde cualquier legitimidad, sino que contradice su razón de ser, poniéndose al nível de los mismos delincuentes.” (Ferrajoli, p. 396). É dever do Estado, portanto, assegurar que as condições de vida no presídio “sean para todos lo más humanas posible y lo menos aflictivas que se pueda” (p. 397).

 

Alguns poderão alegar que o Estado não tem condições econômicas de executar as penas de acordo com a lei: primeiro, não é verdade – há, sim, possibilidade financeira, apenas é questão de prioridade; e, segundo, se não se cumpre a lei que favorece, que não se cumpra a que desfavorece!

 

Outros colocarão em debate o rançoso confronto: direitos da sociedade e direitos dos condenados. No entanto, não estão jamais em conflito: só se preservam os direitos do todo se se preservarem os direitos do um – todo é composto da soma de todos os “um” (ver Luc Ferry, “Aprender a Viver, Filosofia para os Novos Tempos”, Objetiva, p. 156.).

 

E a sociedade responde sim pelas decisões dos administradores que elege: opta pelas prioridades deles!

 

 Neste contexto, tenho que o juiz é também responsável pela vida prisional, ou seja, pelo cumprimento das penas de acordo com a lei. É responsabilidade ética e legal: ele presenta o Estado que condena e presenta o Estado que encarcera. Duas faces indissociáveis: não se pode atuar ao modo de Pilatos. Enfim, deve atuar para que toda a legalidade (e não apenas parte dela) seja cumprida eficazmente.

 

Aliás, Rui Barbosa ensinava: “Não há salvação para o juiz covarde” (“O Justo e a Justiça Política”).

 

Então, qual o caminho a seguir?

 

De logo, saliento que a Suprema Corte aponta para solução inovadora ao permitir que condenados em regime aberto, em locais onde casa do albergado não cumpre condições de higiene suficientes e estão superlotadas, sem separação de condenados em regime semi-aberto (legalidade que se impõe), cumpram pena em regime domiciliar (HC 95332/RS, de 03.03.2009).

 

Por outro lado, se vê da Folha On Line, de 22.02.2009, que os juízes do Estado da Califórnia estão prestes a liberar cerca de sessenta mil presos porque há superpopulação carcerária, a violar os direitos dos apenados: “A evidência indica que não existe outro remédio a não ser uma liberação dos presos com o objetivo de solucionar as condições inconstitucionais”, afirmam.

 

Que se cumpra a lei, é o caminho que se segue.

 

Assim, o ora condenado somente irá a presídio se e quando for preservada a vida prisional de acordo com a lei. Enquanto isso não for providenciado, o mandado de prisão ficará suspenso e correndo a prescrição.

 

Como a condenação presente, se viu, será cumprida em regime inicial semi-aberto, a determinação ora explicitada ao colega a quem cumprir a execução da pena é a seguinte:

 

(a)   o condenado somente será recolhido em Colônia Agrícola, Industrial ou similar (art. 91, da LEP, c/c o art. 33, § 1°, “b”, do CP);

 

(b)   poderá ser alojado em compartimento coletivo, com rigoroso cumprimento dos requisitos da letra “a”, do parágrafo único do artigo 88 da LEP (“salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana”), com (1) seleção adequada dos presos e (2) e obediência rigorosa do limite máximo da capacidade prisional, nos termos do art. 85 e seu parágrafo da LEP.

 

Inexistindo casas prisionais que atendam a todos os requisitos acima,  se disse, o mandado de prisão será suspenso até que a burocracia estatal tudo supere. Em outras palavras, mesmo correndo o risco de ser repetitivo: em estando o réu preso em estabelecimento incompatível/inadequado, deverá ser imediatamente posto em liberdade.

 

Em síntese, o que se determina é que a Lei seja cumprida!

  

Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao apelo defensivo para reduzir a pena do apelante para quatro anos e três meses de reclusão, multa mínima, em regime carcerário semi-aberto. Define-se explicitamente: o mandado de prisão somente será expedido se e quando houver estabelecimento carcerário  que atenda aos requisitos da LEP, como se determinou no corpo do acórdão.

 

 

Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (VOGAL)

Impossível não aderir aos argumentos do Relator, no que diz com a situação penitenciária. Há muito próxima do caos e sem atitudes concretas e eficazes do Estado (lato senso) visando corrigi-la. A triste realidade, hoje, é que, em se tratando de casas prisionais, ressalvadas algumas poucas exceções, não se cumpre, minimamente, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal).

 

Seguir ignorando tal situação e atirar um jovem, com as condições pessoais do ora acusado, ou seja, menor de 21 anos e primário, em um dos atuais “depósitos de presos” - com superlotação, condições subumanas e dividido por facções criminosas -, é privá-lo não só da liberdade (pena a que foi condenado a cumprir), mas também da dignidade e da esperança, já que nula a possibilidade de ressocialização.

 

Algo deve ser feito a evitar este excesso. E o que propõe o Des. Amilton Bueno de Carvalho a impedi-lo? Só e unicamente, cumprir a lei. Parece-me razoável.

 

Assim, o apelante, condenado a cumprir pena em regime semiaberto, só poderá ser recolhido em Colônia Agrícola, Industrial ou similar (art. 91 da LEP), que atenda, efetivamente, aos requisitos explicitados no artigo 92, caput e parágrafo único, da Lei de Execução Penal.

 

Contudo, enquanto inexistir estabelecimento destinado ao semiaberto que atenda a todos os requisitos da LEP, ouso propor solução diversa. Ao invés da suspensão do cumprimento do mandado de prisão, “até que a burocracia estatal tudo supere”, na linha do que decidem os Tribunais Superiores em situações análogas, cumprirá o apelante a pena imposta em “regime” de prisão domiciliar (art. 117 da LEP), cabendo ao Juiz da Execução Criminal estabelecer suas condições.

 

Em todo o mais, sigo o Relator.

 

É o voto.     

 

 

Des. Aramis Nassif (PRESIDENTE E REVISOR)

Estou honrado em acompanhar o voto do eminente Relator, com pequena restrição, e o faço com a preocupação da oportunidade que se tem de superar uma omissão que era extremamente constrangedora: sonegar direitos ao cidadão, seja ele quem for.

 

Na verdade, muito se ouve em torno do ‘garantismo’ que, para alguns, em seu descuido intelectual, é execrado. E daí perguntar-me: é possível ser juiz sem ser garantista? Então, o que somos? Para que servimos? O juiz não só é e tem que ser garantista, como ele mesmo é ‘a’ garantia. Ninguém mais o é no Estado Democrático de Direito. E se ele não for, quem será? O Ministério Público, com sua nobre destinação constitucional? Obviamente que não, porque, assim como ele na condição de representante da sociedade, sempre é parte no processo e sua natural vocação é a acusatória. A defesa? Por óbvio que não. Sua destinação constitucional, que tantas vezes exige inomináveis sacrifícios, é a da representação do indivíduo, assegurado amplamente na Carta para que nós juízes, com a presença desses dois segmentos construtores da nação solidária e justa, que contrariamos em inúmeras oportunidades com nossas decisões, possamos fazer o que nos é destinado: julgar (com justiça).

 

Então, percebo neste voto exatamente isto: a coragem de ser juiz, a coragem de garantir direitos, a coragem de não se limitar a ser um mero justiceiro abrigado ao som de um discurso falacioso que reverbera em expressões como proteção, violência, criminalidade, impunidade, etc., para varrer para baixo do tapete a severa e grave omissão do Estado em proteger o indivíduo e a sociedade, recuperar os que tiveram uma conduta desviante e humanizar o sistema carcerário.

 

Enfim, nada mais se quer que o cumprimento da lei.

 

Todavia, examino o voto do eminente Desembargador Gonzaga Moura que oferece a alternativa de que “enquanto inexistir estabelecimento destinado ao semiaberto que atenda a todos os requisitos da LEP, ouso propor solução diversa. Ao invés da suspensão do cumprimento do mandado de prisão, “até que a burocracia estatal tudo supere”, na linha do que decidem os Tribunais Superiores em situações análogas, cumprirá o apelante a pena imposta em “regime” de prisão domiciliar (art. 117 da LEP), cabendo ao Juiz da Execução Criminal estabelecer suas condições”, ao qual estou por agregar por convencer-me de que é a solução mais adequada à espécie.

 

Acompanho o Relator em seu voto, mas com a alternativa oferecida pelo voto do eminente Desembargador Gonzaga Moura.

 

 

 

DES. ARAMIS NASSIF - Presidente - Apelação Crime nº 70029175668, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO PARA REDUZIR A PENA DO APELANTE PARA QUATRO ANOS E TRÊS MESES DE RECLUSÃO, MULTA MÍNIMA, EM REGIME CARCERÁRIO SEMI-ABERTO; E, POR MAIORIA, DETERMINARAM QUE, ENQUANTO NÃO EXISTIR ESTABELECIMENTO DESTINADO AO REGIME SEMI-ABERTO QUE ATENDA A TODOS OS REQUISITOS DA LEP, O RÉU CUMPRIRÁ SUA PENA EM REGIME DOMICILIAR, VENCIDO O RELATOR, QUE DEFINIA QUE SOMENTE SERÁ EXPEDIDO MANDADO DE PRISÃO SE E QUANDO HOUVER ESTABELECIMENTO CARCERÁRIO QUE ATENDA A DITOS REQUISITOS DA LEP. O JUÍZO DA EXECUÇÃO FIXARÁ AS CONDIÇÕES DA PRISÃO DOMICILIAR."

 

Julgador(a) de 1º Grau: HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO